Ainda repercute o alto grau de intolerância, a
exacerbação de atitudes hostis contra o Partido dos Trabalhadores, seu governo,
seus militantes e simpatizantes. Eu, mesmo, já estou resolvido a retirar (iria
manter até a posse do segundo governo de Dilma Roussef), pois já começo a ouvir
impropérios por portar em meu carro adesivos da campanha do PT.
Por outro lado, ouço relatos cômicos, se não fossem
deprimentes (sem trocadilhos, hein?), relataram-me que uma médica, casada com
um espanhol, está até hoje deprimida, não se conforma com a reeleição de Dilma,
quer ir-se do Brasil, morar na Espanha e seu marido não quer sair daqui (sabe
muito bem ele que o mar mediterrâneo não está pra peixe) e inclusive não quer
uma filha estude medicina para não ter que pagar dois anos de residência ao
governo; um outro indignadíssimo deixou escapar a pérola: “fica esse governo
gastando com o pobres e nada sobrando para nós”.
A propósito, transcrevo texto de Leonardo Boff,
(aquele da Teoria da Libertação), retirado do Conversa Afiada, de Paulo
Henrique Amorim.
Para os
que querem deixar o Brasil
É espantoso ler nos jornais e
mensagens nas redes sociais e mesmo em inteiros youtubes a quantidade de
pessoas, geralmente das classes altas ou os ditos “famosos” que lhes custa
digerir a vitória eleitoral da reeleita Dilma Rousseff do PT.
Externam ódio e raiva, usando
palavras tiradas da escatologia (não da teológica que trata dos fins últimos do
ser humano e do universo) e da baixa pornografia para insultar o povo
brasileiro, especialmente, os nordestinos.
Estas pessoas não vivem no
Brasil, mas, em geral, no Leblon e em Ipanema ou nos Jardins da cidade de São
Paulo onde se albergam: em sua maioria, os pertencentes às classes opulentas
(aquelas 5 mil famílias que, segundo M.Porchmann, detém 43% do PIB nacional).
Muitas delas não se sentem povo
brasileiro.
Externam até vergonha. Mas estão
aqui porque neste país é mais fácil enricar, embora o desfrute mesmo é em feito
em Miami, Nova York, Paris ou Londres, pois muitos deles têm lá casas ou
apartamentos.
Alguns mais exacerbados, mas com
parquíssima audiência, sugerem até separar o Brasil em dois: o sudeste rico de
um lado e o resto (para eles, o resto mesmo) do outro, especialmente o
Nordeste.
Acresce a isso o Parlamento
brasileiro, a maioria eleita com muito dinheiro, que mal representa o povo.
Finge que escutou o clamor dos
ruas em junho de 2013 demandando reformas, especialmente, na política, no
sistema de educação e de saúde e uma melhor mobilidade urbana e não em último
lugar a segurança e a transparência na coisa pública. Mas já esqueceu tudo.
Rejeitou o projeto do governo,
no rescaldo da reeleição, que visava ordenar e dar mais espaço à participação
dos movimentos sociais na condução da política nacional, respeitadas as
instituições consagradas pela Constituição.
Tal fato nos remete ao que Darcy
Ribeiro diz em seu esplêndido livro que deveria ser lido em todas as escolas,
“O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”(1995).
Aí diz o grande antropólogo,
indigenista, político e educador: “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso,
é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da
população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos
seus… O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na
formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a
esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”(p.446).
Esta afirmação nos concede
entender porque a presidenta Dilma quer uma reforma política que não venha de
cima, do Congresso, porque este sempre se oporá ao que possa contradizer os
seus indecentes privilégios.
Deve partir de baixo, ouvindo os
reclamos do povo brasileiro.
Quem aprendeu em 500 anos a
sobreviver na pobreza senão na miséria, colheu muita experiência e sabedoria a
ser testemunhada e repercutida na nova ordenação político-social do Brasil.
Ouvi de um sacerdote que viveu
sempre na favela: “há um evangelho escondido no coração do povo humilde e
importa que o leiamos e escutemos”.
Vale a mesma coisa para as
várias reformas desejadas pela maioria da população: auscultar o que se aninha
no coração do povo e dos invisíveis.
Podemos tolerar a arrogância e a
resistência dos poderosos e dos parlamentares, o que não podemos é defraudar a
esperança de todo um povo.
Ele não merece isso depois de
tanto suor, sacrifícios e lágrimas.
Ele precisa voltar às ruas e
renovar com mais contundência e ordenadamente o que irrompeu em junho do ano
passado.
O feijão só cozinha bem em
panela de pressão.
Da mesma forma, o parlamento
abandona sua inércia quando é posto sob pressão, como se constatou no ano
passado.
Voltemos a Darcy Ribeiro, um dos
que melhor estudou e compreendeu a singularidade do povo brasileiro.
Uma coisa são os povos
transplantados como nos USA, no Canadá e na Austrália. Eles reproduziram os
moldes dos países europeus de onde vieram. No Brasil foi diferente.
Ocorreu uma das maiores miscigenações
da história conhecida da humanidade. Vieram de 60 países diferentes.
Misturaram-se entre si índios, afrodescendentes, europeus, árabes e orientais.
Criaram um novo tipo de gente.
Diz Darcy: “o nosso desafio é de
reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas
haja”(p.447).
Diz mais: “olhando todas estas
gentes e ouvindo-as é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma
romanidade tardia mas melhor, porque lavada em sangue índio e sangue
negro”(p.447).
Não me furto em citar estas
palavras proféticas com as quais fecha seu livro O povo brasileiro: “O Brasil é já a maior
das nações neolatinas… Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã
como uma nova civilização, mestiça, tropical, orgulhosa de si mesma. Mais
alegre, porque mais sofrida. Melhor porque incorpora em si mesma mais humanidades.
Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as
culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”
(p.449).
Para os que querem sair do
Brasil: fiquem nessa esplêndida Terra e ajudem-nos a construir esse sonho bom.