sexta-feira, 21 de novembro de 2014

“COMO SER TUCANO SEM SER HIPÓCRITA: UM TEXTO PARA A HISTÓRIA”


É inacreditável, a princípio! Não tivesse sido publicado na insuspeita Folha de São Paulo de hoje e eu não acreditaria. Afinal é por esta e outras razões que ainda acredito nas pessoas.

É inacreditável, repito, que um cidadão declaradamente peessedebista, do PSDB, portanto, com ficha de inscrição do partido avalizada por renomados (se por bem ou mal, aí é outra história) políticos, tais como ex-governadores de São Paulo Franco Montoro e Mário Covas e um ex-presidente da República tenha tido a coragem cívica de escrever o que estaremos transcrevendo abaixo. Além do mais, referido cidadão, Ricardo Semler, (este é o seu nome), é empresário com manifesta experiência em vendas de produtos a empresas estatais, além de autor de um best-seller “Virando a própria mesa – uma história de sucesso empresarial Made in Brazil”.

Mas vejamos a íntegra do seu texto:



Ricardo Semler

Não sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país

Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.

Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.

Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos “cochons des dix pour cent”, os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.

Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que houve evasão de R$ 1 trilhão –cem vezes mais do que o caso Petrobras– pelos empresários?

Virou moda fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?

Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.

Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.

É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.

Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema corrupto e políticas econômicas.

Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.

A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.

O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.

É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.

A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.

Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo, e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.

Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou passou escritura de casa por um valor menor?

Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido.

O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente. Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em vez de resmungar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

"Golpismo de FHC é pior do que o do Aécio"

Sem que careça de comentários, republico do "Conversa Afiada" artigo de Maurício Dias, da Carta Capital, nos termos que seguem:


O ex-presidente é bem pior do que Aécio Neves no seu desvario antidemocrático
(por Mauricio Dias)


Aécio Neves voltou à cena com o espírito de quem perdeu o governo, mas ganhou a eleição. Esse é um mote que alenta o sofrimento dos derrotados. No entanto, tentou salvar as aparências ao repudiar formalmente a truculência de setores da oposição manifestada nas redes sociais e em pequenos agrupamentos de rua. “Essas manifestações têm o nosso repúdio mais radical e veemente”, afirmou.


O lema dos estandartes exibidos, “Fora o PT, “SOS Forças Armadas”, entre outros, e o tom rancoroso dos discursos oposicionistas recusando o diálogo, proposto nas palavras iniciais de Dilma Rousseff após reeleita, não brotaram do nada.


A emoção dos eleitores foi fustigada. Isso incitou o velho ódio antipetista, despertado com mais força ao longo da campanha eleitoral de 2014. Ao contrário do que apregoa Aécio Neves. Ele tentou, por exemplo, tapar o sol com a peneira. Para o candidato derrotado na disputa pela Presidência, estaria havendo apenas “apropriação indevida de um sentimento livre da sociedade”.


As manifestações, no entanto, não surgiram de combustão espontânea. O tucano pede “respeito à democracia”, mas joga com um plano B para alterar a continuidade democrática. A oposição tucana conta, mais uma vez, com o tema corrupção. O foco é na Petrobras. “Não vamos deixar esse assunto arrefecer”, promete o tucano.


Em longa apresentação no Senado, em cerimônia articulada, com uma autoridade provocativa, condiciona o diálogo à investigação. A par disso, conta com uma nova CPI para investigar os políticos citados na delação premiada. Quase todos da base do governo.


O candidato derrotado não é o único a agir assim. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem papel até mais ativo nesse processo. Com pesar, porém sem surpresa, FHC mais uma vez lançou a palavra de ordem dos tucanos para o combate ao governo Dilma Rousseff.


Escreveu FHC: “Depois de uma campanha de infâmias, fica difícil crer que o diálogo proposto não seja manipulação”. Para ele, o PT errou ao colar em Aécio Neves o rótulo de “candidato dos ricos”. E não foi? As pesquisas de opinião sustentaram isso. Falta ao ex-presidente, neste momento, serenidade e comprometimento com a democracia que tanto prega verbalmente.


Ele ultrapassa os limites antes do comportamento político democrático do que da própria razão quando pretende a vitória de Dilma amparada “em pouco acima da metade dos votos” .


Insinua que a vitória de Dilma não foi convincente, embora 3,5 milhões de votos não deixem de ser expressivos. A presidenta seria reeleita mesmo que tivesse apenas 1 voto a mais.


FHC traz à memória a artimanha da UDN ao seguir os passos de Afonso Arinos de Melo Franco, que, em 1955, contestou a vitória de Juscelino Kubitschek, com o argumento, não previsto em lei, de que o vitorioso não alcançara a maioria. Perdeu.


Em 2005, após o estouro do chamado mensalão, Fernando Henrique lançou a proposta de que Lula não deveria mais disputar a reeleição. Outras vozes seguiram esse caminho. Sem sucesso. Em 2006, Lula disputou e ganhou do tucano José Serra. Na eleição seguinte, em 2010, o PT elegeu Dilma.


Entre os tucanos o papel de cada um está claro. Aécio espreita o caso Petrobras. FHC tenta debilitar a vitória de Dilma. Apesar disso, a razão, agora sim, diz que não passarão.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O ENSANDECIMENTO DE UMA PARTE DA POPULAÇÃO PELO ÓDIO, PELA RAIVA CONTRA O GOVERNO TRABALHISTA


Ainda repercute o alto grau de intolerância, a exacerbação de atitudes hostis contra o Partido dos Trabalhadores, seu governo, seus militantes e simpatizantes. Eu, mesmo, já estou resolvido a retirar (iria manter até a posse do segundo governo de Dilma Roussef), pois já começo a ouvir impropérios por portar em meu carro adesivos da campanha do PT.

Por outro lado, ouço relatos cômicos, se não fossem deprimentes (sem trocadilhos, hein?), relataram-me que uma médica, casada com um espanhol, está até hoje deprimida, não se conforma com a reeleição de Dilma, quer ir-se do Brasil, morar na Espanha e seu marido não quer sair daqui (sabe muito bem ele que o mar mediterrâneo não está pra peixe) e inclusive não quer uma filha estude medicina para não ter que pagar dois anos de residência ao governo; um outro indignadíssimo deixou escapar a pérola: “fica esse governo gastando com o pobres e nada sobrando para nós”.

A propósito, transcrevo texto de Leonardo Boff, (aquele da Teoria da Libertação), retirado do Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.

Para os que querem deixar o Brasil


É espantoso ler nos jornais e mensagens nas redes sociais e mesmo em inteiros youtubes a quantidade de pessoas, geralmente das classes altas ou os ditos “famosos” que lhes custa digerir a vitória eleitoral da reeleita Dilma Rousseff do PT.

Externam ódio e raiva, usando palavras tiradas da escatologia (não da teológica que trata dos fins últimos do ser humano e do universo) e da baixa pornografia para insultar o povo brasileiro, especialmente, os nordestinos.

Estas pessoas não vivem no Brasil, mas, em geral, no Leblon e em Ipanema ou nos Jardins da cidade de São Paulo onde se albergam: em sua maioria, os pertencentes às classes opulentas (aquelas 5 mil famílias que, segundo M.Porchmann, detém 43% do PIB nacional).

Muitas delas não se sentem povo brasileiro.

Externam até vergonha. Mas estão aqui porque neste país é mais fácil enricar, embora o desfrute mesmo é em feito em Miami, Nova York, Paris ou Londres, pois muitos deles têm lá casas ou apartamentos.

Alguns mais exacerbados, mas com parquíssima audiência, sugerem até separar o Brasil em dois: o sudeste rico de um lado e o resto (para eles, o resto mesmo) do outro, especialmente o Nordeste.

Acresce a isso o Parlamento brasileiro, a maioria eleita com muito dinheiro, que mal representa o povo.

Finge que escutou o clamor dos ruas em junho de 2013 demandando reformas, especialmente, na política, no sistema de educação e de saúde e uma melhor mobilidade urbana e não em último lugar a segurança e a transparência na coisa pública. Mas já esqueceu tudo.

Rejeitou o projeto do governo, no rescaldo da reeleição, que visava ordenar e dar mais espaço à participação dos movimentos sociais na condução da política nacional, respeitadas as instituições consagradas pela Constituição.

Tal fato nos remete ao que Darcy Ribeiro diz em seu esplêndido livro que deveria ser lido em todas as escolas, “O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil”(1995).

Aí diz o grande antropólogo, indigenista, político e educador: “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus… O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”(p.446).

Esta afirmação nos concede entender porque a presidenta Dilma quer uma reforma política que não venha de cima, do Congresso, porque este sempre se oporá ao que possa contradizer os seus indecentes privilégios.

Deve partir de baixo, ouvindo os reclamos do povo brasileiro.

Quem aprendeu em 500 anos a sobreviver na pobreza senão na miséria, colheu muita experiência e sabedoria a ser testemunhada e repercutida na nova ordenação político-social do Brasil.

Ouvi de um sacerdote que viveu sempre na favela: “há um evangelho escondido no coração do povo humilde e importa que o leiamos e escutemos”.

Vale a mesma coisa para as várias reformas desejadas pela maioria da população: auscultar o que se aninha no coração do povo e dos invisíveis.

Podemos tolerar a arrogância e a resistência dos poderosos e dos parlamentares, o que não podemos é defraudar a esperança de todo um povo.

Ele não merece isso depois de tanto suor, sacrifícios e lágrimas.

Ele precisa voltar às ruas e renovar com mais contundência e ordenadamente o que irrompeu em junho do ano passado.

O feijão só cozinha bem em panela de pressão.

Da mesma forma, o parlamento abandona sua inércia quando é posto sob pressão, como se constatou no ano passado.

Voltemos a Darcy Ribeiro, um dos que melhor estudou e compreendeu a singularidade do povo brasileiro.

Uma coisa são os povos transplantados como nos USA, no Canadá e na Austrália. Eles reproduziram os moldes dos países europeus de onde vieram. No Brasil foi diferente.

Ocorreu uma das maiores miscigenações da história conhecida da humanidade. Vieram de 60 países diferentes. Misturaram-se entre si índios, afrodescendentes, europeus, árabes e orientais. Criaram um novo tipo de gente.

Diz Darcy: “o nosso desafio é de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja”(p.447).

Diz mais: “olhando todas estas gentes e ouvindo-as é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia mas melhor, porque lavada em sangue índio e sangue negro”(p.447).

Não me furto em citar estas palavras proféticas com as quais fecha seu livro O povo brasileiro: “O Brasil é já a maior das nações neolatinas… Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça, tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor porque incorpora em si mesma mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra” (p.449).

Para os que querem sair do Brasil: fiquem nessa esplêndida Terra e ajudem-nos a construir esse sonho bom.