Eu sei muito bem que a “Ilha” não pode ser
aquele “paraíso” desejado por muitos. Tenho plena consciência de que o
socialismo/comunismo não pode, de forma alguma, oferecer as comodidades que o
sistema oposto, do qual fazemos parte, nos oferece a custos altíssimos,
especialmente, aos indivíduos do estrato social que eu, particularmente,
pertenço; comodidades que não chegam a estratos outros e que tanto
carecem das mínimas condições de vida digna. Portanto, quero ressalvar que não mergulho
cegamente no admirar dos padrões de vida
do povo cubano, mas me parece que existe, no mínimo, uma grande má vontade (fico
somente nisto) com Cuba. O texto abaixo fortaleceu-me mais ainda a vontade de conhecer aquela tão sofrida, tão
castigada pátria desde os tempos coloniais. A leitura do texto, que foi extraído do Blog de Luis Nassif, é uma verdadeira
viagem à cultura, aos costumes, à História e ao contato com o povo cubano.
Viajemos, pois.
Nove dias em Havana
Por zegomes
Nove dias comendo lagosta quase de
graça.
De como, em Cuba, lembrei-me de
Pinheirinho.
Eu e meus amigos fomos a Cuba.
Estivemos zanzando em Havana de 1º a 09 de novembro/2013. Era uma velha ideia,
minha e de meu amigo Salém e sua esposa Alice, sempre adiada. Em fevereiro/2013
disse pra meu parceiro Cássio: Vamos a Cuba em novembro, depois que você
terminar a obra? Cássio, que vive no mundo da construção civil e das coisas
práticas, respondeu-me: Onde fica isso? Vamos.
PREPARATIVOS PARA A VIAGEM
Decididos a viajar em novembro,
passei a pesquisar as passagens na internet. A Cubana de Aviación sai de São
Paulo em voo direto para Havana. Copa Airlines sai de várias cidades
centro-norte e sul-americanas, entre elas Brasília, em voo internacional com
conexão na Cidade do Panamá (Humm... desovam multidões de viajantes no
aeroporto do Panamá, que é um imenso shopping, será se fizeram isso de
propósito, será? As cucarachas não são bem vindas, mas o dinheirinho delas sim,
recolhido lá longe, será se é isso?). Escolhi a Copa pela comodidade de sair
direto de casa sem ter de dar a volta por São Paulo. Mais do que na hora de se
quebrar esse monopólio das partidas internacionais serem centralizadas no Rio e
São Paulo.
Compradas as passagens, comuniquei
meus amigos Salém e Alice em Goiânia: Eu e Cássio já compramos as passagens
para 01º de novembro. Vamos ou vão adiar mais uma vez? Responderam: Então agora
é assim, vem comunicar já com as passagens compradas... É assim, sim, respondi,
o sistema agora, como alguns dizem, é estilo Coréia do Norte (Dizem, às vezes,
também sistema Cuba, mas nessa situação, é melhor dizer sistema Coréia do
Norte, afinal estamos namorando Cuba). Estamos avisando com oito meses de
antecedência, não podem reclamar.
Dia seguinte ligaram: podemos
convidar também o Cario e a Hilda? Claro.
Salém, Cario e eu somos de uma mesma
turma do curso de medicina da Universidade Federal de Goiás, nos formamos no
início dos anos 80, há mais de trinta anos. Depois disso nunca mais tinha visto
o Cario, que se especializou em anestesiologia e foi trabalhar no interior de
Goiás. Com Salém a relação continuou próxima, mesmo quando ele passou uns anos
na França, se especializando em psiquiatria com foco na recuperação de
dependentes químicos. Não é só um grande especialista, mas um ser humano raro.
Feliz de quem é seu paciente e feliz de quem (como eu), teve a sorte de cruzar
com ele e adquirir sua amizade. É a pessoa mais rica em “alteridade” que
conheço. Quê? Alguém não conhece essa palavra chiquérrima? Bem, melhor é
perguntar se alguém conhece, pois certo mesmo é que só os filósofos a usam com
desenvoltura. Fui apresentado a ela recentemente, num texto escrito por um
amigo filósofo em um Blog. À medida que eu lia o texto ia me parecendo que a
palavra era usada no sentido mais ou menos assim de “ver o lado do outro”,
“compreender a situação do outro”. Mas não acreditei que palavra tão... tão...
como se pode dizer, tão refinada, pudesse significar coisinha tão trivial. Mas
era isso mesmo. Fui ao dicionário de filosofia e constatei. Um dos significados
da palavra é esse: ver o lado do outro, se por na condição do outro. Então
posso dizer: Salém é a alteridade em pessoa. É a melhor definição que se pode
dar dele.
Estava formada a nossa equipe de
viagem: Salém, Cario, suas esposas Alice e Hilda, Cássio e eu. “Éramos
Seis” rumo a Cuba.
O QUE A INTERNET E OS GUIAS
RECOMENDAM
Após a pesquisa das passagens,
passamos a buscar outras informações. Alice é boa pesquisadora. A internet e os
guias Lonely Planet Cuba e Guia Visual Publifolha Cuba foram nossas fontes.
Descobrimos:
Poderíamos nos hospedar em hotéis ou
em casas de família, com diferenças grandes de preço. Escolhemos a Casa de
Agustina no centro da cidade. Quem quiser fazer contato com ela é só jogar no
Google: Casa de Agustina Centro Habana calle Neptuno con Industria e localizar
seu e-mail. Ela também tem página no Facebook. Salém e Alice optaram por
ficar lá os nove dias. Eu e Cássio quisemos passar dois dias em um hotel cinco
estrelas, o Hotel Nacional. Cario e Hilda, talvez por serem também empresários
do agronegócio, cheios da alta grana, com fazenda e granjas no rico sudoeste de
Goiás, optaram somente por hotel. Moradores do interior, não se comunicaram
adequadamente conosco. Escolheram pela internet um hotel na Praça da Revolução
e se hospedaram muito longe de nós e dos buchichos da cidade. Arrependeram-se.
Tínhamos reservado para eles uma casa de família vizinha à de Dona Agustina,
por indicação desta, já que ela dispõe apenas de dois quartos. Tivemos de
desmarcar. Eles justificaram a preferência por hotel pelo fato de “fumarem
muito e soltarem muito pum”. Ficariam constrangidos em casa de família.
Deveríamos providenciar a
Tarjeta de Turista, uma espécie de visto para Cuba. Pode ser emitida no próprio
check in pela Copa Airlines ou em Consulados de Cuba. Eu e Cássio fomos à
Embaixada em Brasília. Cuba emite essa Tarjeta em uma folha à parte, sem
carimbos no passaporte, justamente para evitar que o turista tenha problemas depois,
sofra discriminação, em eventual viagem aos EUA.
Deveríamos ter um certificado
internacional de vacina contra febre amarela. Cuba não exige, mas o Panamá sim,
e como se passa duas horas, tanto na ida como na volta, no Shopping do Panamá
(aquilo é um shopping, não um aeroporto), é necessário levar, pois pode ser
exigido.
Deveríamos levar sempre algum papel
higiênico. Verdade. Fora dos hotéis é um produto não disponível em locais
públicos. Nem mesmo nos banheiros do Aeroporto José Marti, limpíssimos, modernos,
encontra-se esse importante produto.
Aconselhável levar euros em vez de
dólar. Verdade. Cuba impõe uma sobretaxa cambial sobre o dólar e com isso
perde-se um pouco.
É necessário um seguro saúde para o
período da viagem. O Cônsul cubano em Brasília nos disse que poderíamos fazer
isso no aeroporto em Havana, mas a Copa Airlines asseverou-nos que sem ele não
embarcaríamos em Brasília, pois era exigido no check in. Então o adquirimos
aqui mesmo. Ao final, em nenhum momento da viagem alguém nos pediu comprovante
de seguro saúde ou de vacina contra febre amarela. Nem no Shopping do Panamá,
nem em Cuba.
CHEGADA A HAVANA
Após pegarmos nossa bagagem na
esteira, nos dirigimos à saída do aeroporto. Conosco não houve revista de
bagagens. No portão principal, tanto à direita como à esquerda há balcões onde
você pode trocar o seu dinheiro por Cucs. Há filas. Aqui a primeira surpresa
linguística: fila, em Cuba, se chama fila mesmo e não cola, como consta nos
manuais de conversação em espanhol.
Ao trocar o dinheiro, deve-se fazer
um cálculo aproximado de quanto se pretende gastar no país. No momento ainda há
o sistema de dois câmbios, embora isso deva mudar logo, segundo os planos da
área econômica do governo e as mudanças planejadas pela equipe de Raul Castro.
Há os Pesos Conversíveis (Cucs) para estrangeiros (1 Cuc = 2,5 Reais) e os
Pesos Cubanos ou Moeda Nacional (1 Real = 60 Pesos Cubanos) que são a
moeda de troca entre os cubanos.
Se o turista trocar dinheiro demais
em Cucs e não gastá-los todos em Cuba, no retorno, no aeroporto, há um local,
no segundo andar, onde pode trocar de volta por dólares ou euros. Não
precisamos fazer isso porque administramos bem as trocas cambiais de modo que
nossos últimos Cucs utilizamos para comprar algumas coisas no próprio
aeroporto, na volta: Rum Santiago de Cuba Añejo, Rum Havana Club, camisetas,
artesanato, etc.
Sempre importante lembrar-se de
reservar 25 Cucs para pagar a taxa de embarque no retorno.
Após o câmbio, a busca por transporte
para o centro de Havana. Aqui a segunda surpresa linguística: ônibus, em Cuba,
se chama ômnibus mesmo, com um “m” a mais, e não autobus, como está nos manuais
de espanhol. Diz-se também popularmente guagua, com o mesmo sentido de ônibus.
Deve-se esquecer os ônibus, há abundância
de táxis (automóveis, vans, etc.). Combina-se o preço antes, informando o
endereço (dirección) aonde se vai. Pagamos 30 Cucs por uma van, mais 5 de
gorjeta. Não esqueça que o nome de gorjeta em espanhol é propina. Portanto, se
disser “una propina para usted” receberá em retorno um largo sorriso de
agradecimento e não uma cara encabulada! Com propina e tudo, saiu a R$
12,50 por pessoa a viagem até o centro de Havana, esquina da rua Indústria com
Neptuno, onde fica o apartamento de Dona Agustina. Muito barato, pela
distância. Antes, tínhamos deixado Cario e Hilda em seu hotel na Praça da
Revolução (longe, longe de tudo, longe do mar! Uma infeliz escolha dos dois).
Após nos acomodarmos, Dona Agustina
começou a nos dar alguns conselhos sobre a vida na Cidade de Havana (Isso não
teríamos em nenhum hotel, Salém tem razão). Disse: Aqui em Havana não precisam
ter medo de serem assaltados com arma de fogo ou facas. Esse tipo de violência
não temos aqui (percebia-se um pouco de orgulho em sua voz), mas devem tomar
cuidado para não ostentar correntes de ouro ou abrir carteiras recheadas de
dinheiro em público. Pode acontecer de um “negrito” (Até em Cuba os negros são
os culpados!) aparecer e zás – Fazia um movimento com a mão de quem estava
arrancando de supetão a corrente do pescoço.
Dona Agustina jura que em Cuba
ninguém passa fome, todos têm acesso à saúde e educação e todos (essa é mais
raro de ouvir falar) têm acesso à moradia. Quando o morador não é dono do
imóvel, paga um aluguel baixíssimo ao governo. Ela nos dizia isso num contexto
de recomendação a que não ficássemos dando nosso dinheiro a qualquer um que
aparecesse (jinetero): Aqui em Cuba ninguém passa fome (portanto não fiquem
caindo na lábia dos jineteros e dando dinheiro para eles).
Afirmou também que é calúnia dizer
que Cuba é comunista e que é uma ditadura. Nada disso. E que são chamados de
gusanos (vermes) esses cubanos que se dedicam, a partir dos Estados Unidos, a
difamar a pátria. Eles não têm amor à pátria. É um doce, a velhinha.
PASSEANDO EM HAVANA. CUIDADO: OS
JINETEROS!!!
Andar nas ruas de Havana exige apenas
um pequeno cuidado: se você não gosta de assédio, não peça informações.
Consulte o seu guia, solitário, e vá em frente. Será incomodado apenas pelos
taxistas dos bicitáxis e cocotáxis que a cada instante oferecem uma corrida a 3
Cucs ou 05 Cucs, dependendo se eles interpretam a sua figura como mais ou menos
endinheirado.
Agora, se você abordar alguém para
pedir uma informação pode correr o risco, ainda mais se estiver em área
turística (pois nem tudo na cidade, lógico, é zona turística), de se dirigir
justamente a um jinetero. Ele não só dará as informações como fará questão de
te acompanhar e se torna um grude (para quem está solitário e quer companhia
pode ser maravilhoso).
Os Guias nos passam a impressão de
que “jinetero” são aqueles vendedores molestos, sempre presentes em locais
turísticos, que oferecem de tudo e são insistentes. Em Cuba jinetero é isso
mesmo (quer levá-lo “ao melhor” restaurante, quer buscar prá você “os melhores”
charutos, etc.), mas... Como o jinetero oferece todo tipo de serviços, pode
oferecer também os serviços sexuais, e parece que o sentido da palavra está
cada vez mais resvalando para “prostituto”. Se usado no feminino,
“jinetera”, o sentido é 100% prostituta. Garoto de programa é chamado de
“pinguero”, mas, cada vez mais, “jinetero” se aproxima do sentido de
“pinguero”. Por isso, é uma palavra a ser usada com cuidado.
Tudo bem. Em Salvador os vendedores
assediam para vender fitinhas do Senhor do Bomfim. Em Havana os jineteros
querem nos arrastar para pequenas armadilhas de consumo.
Saímos para almoçar. Nós seis.
Pesquisamos no Guia e fomos a um restaurante na Rua Campanário. Estava fechado.
Havia algumas pessoas sentadas nas calçadas, em frente a seus prédios (muito
comum, em Centro Habana. Como aquelas pessoas de cidades pequenas, do interior,
que se postam em suas cadeiras de balanço, à tardezinha, vendo a vida passar e
fofocando). Disseram-nos: Está fechado porque não pagaram os impostos. De
repente, do nada, apareceram em nossa frente dois rapazes. Ambos negros. Um,
muito bonito e falante, Pablo. Outro, quase gordinho, meio estrábico, tímido,
Michel.
O falante Pablo, com verve de
malandro carioca das antigas, disse que ia nos levar a um restaurante especial
e pedia que nós os seguíssemos, já andando. Vira esquina e vira esquina e nós
atrás de Pablo, eu parei e disse para os meus companheiros: Se quiserem, vamos
embora. Pode ser alguma armadilha e eu não quero ser o culpado. Então Salém (sempre
Salém, compreensivo com as “classes populares”) disse: Que pode nos acontecer?
São 13hs, a rua está cheia de gente, vamos lá ver em que isso vai dar.
Continuamos.
Pablo, enfim, entrou em um Paladar,
que é um restaurante particular. Eu dei cinco Cucs para cada um e disse adeus,
na esperança de que fossem embora. Nos sentamos. Comida e bebida caras. Os dois
sentaram juntos, porque Alice convidara. Falei baixinho pra Alice que eu já
tinha dado a gorjeta deles e que devia ser uma coisa ou outra: ou a gorjeta ou
a comida. Mas falei por falar, dando o caso por encerrado, porque ninguém seria
grosseiro a ponto de escorraçá-los da mesa. Para minha surpresa, Alice tomou a
gorjeta deles. E os dois almoçaram conosco.
Percebemos que os jineteros
usam uma tática espertinha. Eles levam os turistas para bares ou restaurantes e
recebem comissões desses locais. Cássio viu quando Pablo recebeu sua comissão
do proprietário. Consequentemente as comidas e bebidas são mais caras.
Pablo e Michel são universitários. Estudam
turismo na Universidade de Havana. Tão logo acabamos a refeição e estávamos
ainda bebericando rum, Pablo se propôs a adquirir os melhores charutos para
nós. Principiou uma negociação com Cario. Deleguei a função de negociador a
Cássio.
Cássio se gaba de ser bom de catira.
Não sei se essa palavra é nacional. Em Goiás e Minas ela é uma dança. Pelo
menos de Goiás prá cima (Tocantins, Piauí, Maranhão) significa também negócio,
rolo, gambira, troca-troca ou venda de coisas novas ou usadas entre particulares.
Bem, Cássio Bom de Catira foi delegado por mim para negociar com o esperto
Pablo algumas caixas de charutos Monte Cristo e Cohyba. Só o fiz porque
Cario estava junto, negociando os charutos dele, e entendia bem o espanhol.
Acho que Cássio nunca tinha ouvido antes alguém falar espanhol, mas, pelo que
ouvi de longe, os três se entenderam bem, negociando preços, descontos, etc.
Quando chegamos em casa descobrimos, por Dona Agustina, que havíamos perdido 20
Cucs em cada caixa comprada. Ela tinha um sobrinho que fornecia a preços
menores. Só Salém e Alice ainda não tinham comprado e se deram bem. Lamentações
de nossa parte. Cássio, consternado em ter sido passado para trás e arranhado
sua fama de catireiro que nunca sai perdendo, arrumou a desculpa de que não
entendia bem o que Pablo falava. Pode ser, Cássio, mas seu desempenho me fez
lembrar de Seu Percival, pai de Salém, que gosta de alertar sempre, em suas
conversas: touro que sai de sua terra pode ter que virar vaca (em outras
terras). Acho que ele diz isso para meter medo nos filhos e mantê-los em Goiás,
sob suas asas. Velhinho esperto.
Pois é. Jinetero é isso. A maneira
quase inocente da turma de Cuba se virar com esses turistas endinheirados,
cheios de dólares, que aparecem por lá. Como Dona Agustina falou (e outros
cubanos também nos confirmaram), sem navalhas, sem tiros. Meu amigo Salém,
especialista em alteridade, como já sabemos, compreensivo com a situação do
outro, pode falar: deixem o vendedor de fitinha em Salvador e o jinetero em
Havana ganharem a vida deles. Já basta o que eles têm de suportar de turista
mal-humorado e pão-duro!
AS SANTAS INOCENTES
Dois dias após o episódio Pablo, nós
já havíamos descoberto que o lugar de comer e beber, para quem está em Centro
Habana ou Habana Vieja, é o Restaurante Hanói.
Mas, as santas inocentes Alice e
Hilda ainda não haviam aprendido a lição.
Cansados das andanças da manhã,
Salém, Cássio e eu ficamos descansando em casa à tarde, após o almoço. Alice e
Hilda saíram, arrastando Cario. Duas horas depois ligam para Dona Agustina: que
nós devíamos ir urgente para onde estavam, que o músico Amaranthos, do grupo
Buena Vista Social Club (sic) estava dando uma canja no bar, que à noite
haveria show mas só pra quem já tinha ingresso, que era imperdível, etc. Fomos
correndo. Quem há de perder uma canja do Buena Vista?
Chegando lá, foi fácil perceber o que
estava acontecendo. Nossos colegas estavam numa mesa com um casal de
universitários (Jineteros? Sim.). Estavam quase bêbados, todos. Os
“universitários” pediam um mojito atrás do outro. Mojito a 6 Cucs (15
reais). Os jovens cubanos eram especialmente adocicados, fazendo aquele estilo
“você é endinheirado mas cheio de problemas, de solidão. Nós estamos aqui para
contagiar você com nossa alegria”.
A conta aparentemente já ia longe.
Pedi dois mojitos, para mim e Cássio. Horríveis. Faltava alguma coisa naquilo.
De repente apareceu uma terceira
personagem na história. Uma moça de feições orientais estava recostada no
balcão atrás de nossa mesa. Vi quando os “universitários” mandaram o garçom
servir um mojito para “La China” (por nossa conta, lógico).
Para quem não sabe (como eu não
sabia), no fim da escravidão em Cuba, no final do século XIX, a Casa Grande
cubana, da mesma forma que a brasileira, teve a idéia de importar estrangeiros
para o trabalho. Enquanto aqui os imigrantes foram europeus, em Cuba foram
chineses. Por isso, a porcentagem da população de origem chinesa lá é
relativamente grande. E comeram o pão que o diabo amassou.
La China vestia uma calça legging,
justíssima. Recostava no balcão, empinava a bunda, requebrava um pouquinho e,
por cima do ombro, olhava para trás, para Cássio.
Sabedor de como Cássio tem total
obsessão por traseiros (não importa de quem) senti que a batalha, naquele
momento, estava perdida. Olhei para ele: estava transfigurado.
THAT OLE DEVIL CALLED LOVE
Todos os amantes já passaram por isso
(ah, confessem!), quando flagram o amor mirando uma pessoa bonita que passa, ou
que está próxima, com o olhar cheio de desejo. As mulheres costumam arrancar os
cabelos, ou aumentam suas visitas ao cabelereiro para se enfeitarem mais,
algumas, mais dramáticas, falam em tomar veneno. Alguns homens pensam em pegar
numa arma. Ninguém fica indiferente. Pode-se reagir educadamente, friamente,
mas não com indiferença.
Tentei racionalizar. Tinha de sair
imediatamente daquele local. Com ou sem Cássio. Primeiro, porque eu sabia que
uma tragédia se aproximava: o valor daquela conta de bar. E sentia muita
vontade de deixar as Santas Inocentes administrarem, sozinhas, a encrenca que
elas criaram. Segundo, mesmo deixando Cássio lá, em estado de transe, eu
tinha certeza que nada ia se passar, a não ser um diminuto momento de ilusão.
Raciocinei: La China certamente é puta, vai cobrar. Cássio não gosta de puta,
nem porta dinheiro suficiente para bancá-la. Quando servia o exército, em
Brasília, jovem e bonito, saiu com uma puta do Conic. Na prestação do serviço,
a senhorita, apressada e mal-humorada, gritava: Anda rápido, desgraçado,
rápido, tenho mais o que fazer. Cássio não conseguiu. Ficou traumatizado para
sempre com essa classe.
Coloquei 20 Cucs na mão de Cássio
(para pagar nossos mojitos) e falei baixinho: Vamos embora, isso aqui é uma
armadilha...
Irritado por eu ter interrompido sua
hipnose, Cássio foi grosso, falou alto, pra todos ouvirem: Prá você tudo é
armadilha.
Era tudo que eu precisava. Fiz
biquinho, fiz beicinho. Peguei o CD que acabara de comprar do Amaranthos (que
nunca pertenceu ao Buena Vista, tenho certeza). Levantei-me e fui. Hilda ainda
me alcançou na porta. Mostrei-me muito “magoado” por causa de La China.
As mulheres, nessas horas, são
solidárias. As mulheres e os gays... São mestres na arte da chantagem
emocional.
Pena que não consegui forjar “una
furtiva lacrima”, para dar mais realismo à tragicomédia romântica.
QUANDO AS MARGARIDAS FENECEM
Saí. Passei na Bodeguita del
Medio, estava superlotada. Continuei até o calçadão da Baía de Havana e
caminhei em direção ao Malecón –onde a Baía encontra o mar aberto do chamado
Estreito da Flórida-.
No Malecón ficam os rapazes “de vida
fácil”. Sabia disso. Cheguei até a pensar: se rolar, dou o troco em Cássio.
Caminhava lentamente, ainda no
calçadão da Baía. Um homem passou por mim, cruzamos os olhares. Achei muito
demorado o seu olhar sobre mim. Meu radar detector de situações perigosas, bem
treinado num lugar chamado Brasil, disparou sinais.
Não olhei para trás.
De duas uma, pensei: Ou é um estudo
prévio para um assalto, já que um turista desgarrado é uma presa perfeita. Ou é
uma paquera –por dinheiro, claro-. Só um lunático, aos cinquenta e quatro anos,
vai pensar que alguém baixa o seu olhar sobre ele pela sua simpatia ou sua
beleza (perdida, ou pior, nunca possuída). Até as divas alcançam um ponto da
vida em que veem, com tristeza, seu poder de sedução desmoronar. Jane Fonda
falou, numa entrevista, que, após os cinquenta, se sentiu paulatinamente mais
invisível. Betty Faria afirma que, a partir dos sessenta, aprendeu a valorizar
quem sorri para ela. Formas poéticas para nos contarem que a idade e o tempo
nos levam, de forma irremediável, para o vasto território da solidão.
De repente alguém emparelhou comigo.
Era o homem. Meu radar disparou sinais alucinadamente. Estávamos no largo
onde se encontram o calçadão da Baía com o Malecón. Muitas plantas. Ótimo lugar
para um assalto atrás de um arbusto.
Ô meu deus, tenho certeza que vou ser
assaltado. Como naquele domingo de 1996, quando, só eu sei o que passei, peguei
um buzu em Copacabana, eu e um colega, para a rodoviária Novo Rio, pleno meio
dia, para regressar a São Paulo, depois do feriado da semana santa. Só eu sei o
que passei. Dona Agustina não falou a verdade, o homem vai me assaltar.
Porém não. Tudo paranoia. O cubano
perguntou-me se, a partir de meu país –nem perguntou qual era-, eu não o
ajudaria a importar medicamentos para sua filha doente. Compreendi, aliviado,
que devia ser mais uma variante dos golpes ingênuos –sem revólver ou faca-
praticados pelos cubanos chamados de jineteros. Havia lido alguma coisa sobre
esse truque na internet.
Apressei o passo e disse, sem
voltar-me: Cuba não necessita de que lhe mandem medicamentos ou médicos. Pelo
contrário.
Ainda ouvi sua resposta, com um toque
de raiva na voz: É claro que necessita, tu bem sabes do bloqueio.
Desisti de andar pelo Malecón,
atravessei a rua e fui cair numa avenida, estilo boulevard, belíssima: o
Passeio de Marti ou Passeio do Prado. Arcadas lindíssimas fazem um longo
corredor. Em ruínas, mas, mesmo assim, impressionantes.
Voltei pra casa. Contei a história da
La China para Dona Agustina, que quase morre de tanto rir (da desgraça alheia).
Tomei uns goles de rum Santiago de Cuba Añejo. Descansei um pouco das emoções.
Dormi. Às oito e meia resolvi ir jantar no Restaurante Hanói.
Chegando lá fui recebido pelos gritos
de meus companheiros. Estavam bêbados e cansados. Tinham se perdido no caminho
para o Hanói. Não conseguiam encontrar o local. Alguns tiveram de mijar na rua.
A conta chegara perto de 500 reais. La China pedira 50 Cucs (125 reais) para
Cássio pelo programa. Pedi minha lagosta e meu daiquiri de goiaba. Todos me
tratavam com alguma deferência. O que uma pequena chantagem emocional bem
elaborada não provoca: As mulheres e os gays são mestres nessa arte.
MELHOR LOCALIZAÇÃO PARA SE HOSPEDAR
O melhor lugar para se hospedar em
Havana é ao redor do Parque Central. Porque a partir daí dá para alcançar a pé
a quase todos os objetivos turísticos (e não turísticos). O Parque Central não
é um parque, mas uma praça. Fica ao lado do Capitólio, que é uma réplica (dizem
que alguns metros maior) do de Washington.
De um lado do Parque sai a Calle
Obispo que é a principal rua de Havana Velha, uma pequena artéria comercial. Ao
final dela está a Plaza de Armas, onde há muitos bares e restaurantes,
edifícios antigos da Havana colonial, uma feira permanente de livros usados e a
Baía de Havana.
Do outro lado do Parque, na direção
contrária, sai a Calle San Rafael que atravessa toda a região chamada de Centro
Habana e vai terminar em Vedado, perto da Universidade de La Habana e do Hotel
Nacional.
Ao redor do Parque Central ficam
vários hotéis: O Hotel Inglaterra, o mais antigo de Havana; Hotel Telégrafo;
Hotel NH Parque Central e Hotel Plaza. Uma quadra afastado fica o Hotel
Sevilha.
Se a intenção é ficar em casa de
família, pelo preço ou pela acolhida familiar, A Casa de Agustina, onde ficamos
é localizada perto do Parque Central.
Grande roubada é ficar no bairro
chique chamado Miramar porque é longe de tudo. Os hotéis de luxo que ficam em
Vedado, como o Meliá, também ficam longe.
Carlo e Hilda reservaram, antes da
viagem, um hotel na Praça da Revolução. Também é uma má escolha. É longe. Não
existem atrações por perto.
Salém adorou ter ficado na casa de
Dona Agustina, disse que foi a melhor coisa da viagem. Quando chegamos lá me
decepcionei um pouco. Por e-mail ela me garantira que cada quarto tinha um
banheiro. Não era verdade. Era um banheiro compartilhado para os dois quartos.
Questionei. A velhinha se fez de desentendida. “Aca en Cuba las casas de baños
son conpartidas...”. Salém só faltou me mandar calar a boca, com dó do aperto
da velhinha, apavorada com a possibilidade de perder os hóspedes. Dizia: calma,
calma, não se precipite. Ah, Salém, e sua alteridade!
Cássio e eu ficamos sete dias com
Dona Agustina e dois dias no Hotel Nacional (cinco estrelas) como havíamos
planejado.
Dona Agustina aluga dois quartos num
pequeno apartamento. Camas boas, limpeza dez, com ar condicionado. Fica no
quarto andar de um prédio com elevador (pré-revolução?) na esquina da Rua
Indústria com Rua Neptuno. Essas ruas do centro de Havana são estreitas,
dificilmente passaria por elas um ônibus, por exemplo. O transporte público é
feito pelos chamados táxi-ruta, que são táxis lotação e funcionam como pequenos
ônibus. De nossa janela ficávamos observando logo cedo esses automóveis
passarem na Rua Neptuno, cada um mais lindo que os outros e antiqüíssimos (Quem
sabe a idade daquelas coisas?) Fenomenal, como são lindos os automóveis antigos
de Havana e de uma variedade enorme. De vez em quando apareciam também
uns Ladinhas (Lada soviético) feios, mas são minoria.
Outra cena constante e chamativa que
tínhamos de nossa janela era a dos cachorros nos terraços dos prédios vizinhos.
Parece que os donos saíam para trabalhar e eles ficavam nos terraços daqueles
prédios quase em ruínas. Vimos, com o coração nas mãos, alguns pularem os
parapeitos e, equilibrando-se perigosamente nas muretas, ficarem observando a
rua lá embaixo.
A vastidão de prédios do Centro de Havana,
todos em aparente ruína e caindo aos pedaços é impressionante. Cássio, com seu
olhar de pedreiro e construtor comentou: Se não recuperarem esses prédios, em
vinte anos estarão todos no chão. E essas cerâmicas e rebocos artesanais
desgrudando das fachadas são um perigo para os passantes lá embaixo na rua.
Tive um calafrio de pavor. Um pedaço de barro desses, caindo de tão
grande altura, se acerta alguém significa morte ou invalidez.
Esses prédios detonados estão apenas
em uma região da cidade chamada de Centro Habana e Prado. Havana Velha, que é
ligada a Centro Habana de um lado, é Patrimônio da Humanidade e é preservada.
Vedado, que se liga a Centro Habana pelo outro lado, se parece com qualquer
cidade brasileira, com ruas largas, arborização, alguns arranha-céus, casas bem
conservadas. O espetáculo das ruínas é só em Centro Habana.
Dona Agustina cobra a diária de 20
Cucs (cinqüenta reais) pelo quarto para duas pessoas. O café da manhã é à parte
e custa 3 Cucs (7,5 reais): Uma xícara de café com leite (eu disse uma), um
copo de suco de fruta natural, uma fruta, pão, manteiga, queijo e um pedaço de
presunto frito ou ovo. O cardápio não muda, mas não é de todo ruim.
DE COMO PASSAR NOVE DIAS COMENDO
LAGOSTA
Uma coisa intrigante nos restaurantes
de Havana é a ausência de carne bovina nas opções das cartas de menu. Com
exceção de um prato chamado “Ropa Vieja” que é uma espécie de carne de gado
desfiada no arroz. Filet Mignon, picanha, etc. essas coisas são ausentes.
A possível resposta para o fato apareceu no Blog do Nassif, no post da
estudante da Universidade Federal de Santa Catarina, que passou alguns meses em
Cuba, em viagem oficial de estudo. Ela afirma que o gado bovino no país é
reservado para a produção de leite (o leite das crianças?).
Em compensação, lagosta, camarão,
pescados, porco e frango não faltam nos cardápios.
Após apanharmos um pouco com os
jineteros, nos primeiros dias na cidade, aprendemos alguma coisa:
Lugar para tomar café, chá, leite,
com bolos, pães, etc. é a Cafeteria Francesa. Fica no Parque Central, ao lado
do Hotel Inglaterra.
O Restaurante Hanói oferece comida
deliciosa, farta, barata. Um prato de lagosta –enorme- com arroz e outra
guarnição custa 12 Cucs (30 reais). O mojito custa 1,5 Cucs (Na Bodeguita é 5
Cucs) e o daiquiri (maravilhoso) apenas 2 Cucs (No Floridita é 7 Cucs).
Fica na esquina da Rua Brasil com Bernaza, numa pracinha chamada Santo
Cristo. A Rua Brasil é a que sai exatamente da frente do Capitólio.
Daiquiri é um drink internacional,
conhecidíssimo. Eu, porém, nunca tinha nem visto nem provado. É uma espécie de
vitamina de fruta na qual se mistura rum e gelo moído ou batido no
liquidificador. Colocam tanto gelo que fica semelhante a um sorvete na taça.
Vários sabores de frutas. O de goiaba do Restaurante Hanói ficou sendo o meu
preferido. Simplesmente delicioso.
Para quem está em Vedado, o
Restaurante La Roca, perto do Hotel Nacional, serve uma paella por 12 Cucs, com
camarão, lagosta, frango e carne de porco. Dizem eles que é para duas pessoas,
mas é para quatro, tal o tamanho da travessa de comida. Deliciosa. Cometi a
bobagem de pedir um daiquiri de morango. Horrível. Parecia feito com ki suco.
Não me animei a pedir um outro sabor para ver se os daiquiris do La Roca se
salvavam. É sempre mais seguro pedir um sabor de fruta da época. Há muitas
barracas e carrinhos de frutas nas ruas de Havana. Em nenhuma delas, nesse
início de novembro de 2013, faltava banana, goiaba, limão, mamão ou abacaxi. E
os melhores daiquiris do Hanói eram justamente os de goiaba, abacaxi e limão.
Certamente feitos da polpa fresca. Onde os cubanos iriam encontrar morango
fresco, fora de época, com essas dificuldades que eles sofrem para comerciar?
Devem colocar algum xarope de morango na bebida. O resultado é triste. No Hanói,
os garçons, mais sinceros, diziam que morango estava em falta. Zelam, com
certeza, pela qualidade do seu daiquiri de dois Cucs, que eles afirmam, com
orgulho, ser melhor que o do Floridita, de sete Cucs, e eu confirmo: é
impossível haver uma coisa melhor que aquilo.
O La Roca é sempre cheio, no almoço e
no jantar. Após as nove da noite geralmente há shows, então se alguém pretende
apenas jantar sossegado, é melhor chegar mais cedo, antes das nove.
Pertinho do La Roca está o El
conejito (O coelhinho), que serve carne de coelho de várias maneiras. Fomos
almoçar lá no penúltimo dia de nossa viagem. No caminho perguntamos a uma moça
que passava onde ficava o restaurante. Nos respondeu: olha, está fechado hoje
para dedetização, mas eu vou levar vocês a um ótimo Paladar... Logo nós,
já escolados na escola de Pablo ela achava que ia enganar. Agradecemos e fomos
adiante, nos orientando pelo mapa. Estava aberto normalmente. De verdade, os
jineteros em Havana não dão moleza. Um prato individual com metade de um coelho
mais guarnições (arroz moro, mariquitas) por seis Cucs (15 reais) achamos bem
barato. E até que coelho não é ruim!
Baião de Dois (arroz com feijão
dentro) é onipresente em Cuba. Lá se chama Arroz moro (Arroz moros y
cristianos) ou Congris, esse é um nome de influência haitiana (o Haiti fica a
90 km de Cuba). Congris é a aglutinação de feijão Congo + Riz (arroz em criollo
haitiano). Os garçons perguntam: arroz blanco o arroz moro/congris?
Mariquitas são chips de banana verde.
Já vi isso em Rondônia. O povo pega banana verde, picota como se fosse batata e
frita. Não tem muita graça.
Boniato é batata doce. Muito
frequente nos restaurantes. Boniatillo é doce de batata doce.
UM POUCO DA HISTÓRIA DE CUBA
Em minha primeira passagem pela feira
de livros usados da Plaza de Armas comprei um livro sobre a História de Cuba.
Faço aqui um resumo resumidíssimo. É interessante porque nós, leigos,
costumamos pensar Cuba só a partir das brigas dos EUA com Fidel. Essas brigas,
entretanto, vêm de muito mais longe.
Cristóvão Colombo chegou a Cuba em
1492, mas só em 1510 a Espanha enviou Diego Velásquez para colonizar a ilha.
Nesse ano estima-se que havia 112 000 indígenas em Cuba. Em 1555 restavam
apenas 3 900. José Marti, em um artigo dedicado ao Padre Bartolomé de Las Casas
(protetor dos índios), assim escreveu:
[...] En aquel país de pájaros y de
frutas los hombres eran belos y amables; pero no eran fuertes. Tenían el
pensamiento azul como el cielo y claro como el arroyo. Pero no sabían matar.
Caían como las plumas y las hojas. Morían de pena, de fúria, de fatiga, de
hambre, de mordidas de perros [...]
Acabados os índios, como no Brasil,
os colonizadores foram buscar os negros da África.
Cuba não tinha ouro. A exploração
colonial se deu por ciclos agropecuários: do gado, do tabaco, do açúcar, do
café.
Espanha dominou Cuba até 1898, quando
houve a “independência” (76 anos após a brasileira). Entre aspas porque existia
outra criatura, além da Espanha, que não aceitava que Cuba se tornasse
independente: Estados Unidos. Em 1767 Benjamin Franklin já expressava o
interesse em Cuba. Em 1805 o Presidente Thomas Jefferson comunicou à
Inglaterra, que em caso de uma guerra contra a Espanha, anexaria Cuba. Em 1823
o Presidente James Monroe proclamou a Doutrina Monroe, onde consta que os EUA
não aceitariam nenhuma potência estrangeira se apropriar de terras no
continente americano (fez uma reserva de mercado). Outros presidentes
estadunidenses ofereceram dinheiro à Espanha para comprar Cuba (como fizeram
para adquirir a Florida).
Entre 1868 e 1878 houve a
chamada Guerra dos Dez Anos pela independência de Cuba. Os independentistas
chegaram a tomar mais da metade da ilha. Mas perderam. Estados Unidos se
posicionaram francamente a favor da Espanha, com o Presidente Ulisses Grant
fornecendo informações sobre os rebelados, vendendo navios de guerra, proibindo
expedições dos revoltosos a partir de seu território, etc.
Terminada essa guerra, José Marti foi
para o exílio e continuou a preparar a luta pela independência, alertando
sempre que, embora a luta fosse contra a Espanha, pairava outro grande perigo
para a independência de seu país: as intenções anexadoras dos Estados Unidos.
Em 1895 estourou a segunda guerra de
independência. José Marti foi assassinado tão logo voltou a Cuba. Os
independentistas avançaram pelo país. Estados Unidos, nos primeiros meses,
apoiou a Espanha, depois, sentindo a causa perdida, declarou guerra a uma
Espanha já decrépita como potência colonial.
Ganhou a guerra e se apoderou das colônias
da Espanha: Filipinas, Porto Rico e Cuba. Enviou um governador militar para
Cuba. Em meio a intensa agitação política, foi decidido que o país teria uma
nova constituição. Nas discussões da Constituinte os EUA tiveram de aceitar que
Cuba fosse considerada “independente”, mas impuseram a chamada Emenda Platt: Os
EUA poderiam intervir militarmente a qualquer momento que julgassem a
independência do país ameaçada (quer dizer, sempre que inventassem uma
desculpa); Cuba cederia terras, arrendadas ou vendidas, para as companhias
americanas, (United Fruit, Usinas de açúcar de capital estadunidense, etc.);
Seriam permitidas bases militares estadunidenses (Guantânamo e Bahia Honda,
esta última nunca foi implementada); As taxas para os produtos estadunidenses
em Cuba seriam muito baixas, etc.
Conclusão: Cuba “independente”
continuava uma colônia, agora dos EUA, assim como José Marti previra.
Desde 1898 até 1959 Cuba foi uma
“colônia” estadunidense. Estados Unidos comandavam governos títeres, corruptos
e cruéis. Suas empresas operavam 40% da produção de açúcar (36 usinas
estadunidenses) e eram donas de vastos latifúndios. 90% do serviço de
eletricidade e telefônico e 50% do transporte ferroviário.
Gestores em Cuba eram estadunidenses.
Nas rebeliões e greves de trabalhadores do período uma das principais
reivindicações eram que cubanos tivessem acesso a todos os postos de trabalho.
A máfia comandava inúmeros negócios, legais e ilegais.
A Revolução de 1959 tomou o poder em
janeiro. Em março foi promulgada a primeira lei de reforma agrária: pessoa
física ou jurídica só podia possuir até 30 caballerias de terra (1 caballeria=
13,5 hectares). Os proprietários seriam indenizados com bônus de vinte anos.
Estados Unidos tomou isso como uma
declaração de guerra e a partir daí começou a disputa que acompanhamos até
hoje, com bloqueios, mais de 600 tentativas de assassinato de Fidel Castro,
disseminação de pragas e epidemias, etc.
Esse resumo demonstra uma coisa: a
briga dos EUA com Cuba não é só por causa do “comunismo”. Ela começa lá atrás
no desejo de anexação e dominação. O ódio é porque a pequenina Cuba disse não.
Cuba Libre só é aceitável para os EUA se for o drink com Coca-Cola.
Recentemente o Presidente Raul Castro
disse que Cuba e os EUA podem ter uma relação civilizada. O vizinho
Brutus sabe o que é isso?
Fosse pelo menos o marinheiro Popeye.
PEGADAS DE HEMINGWAY
Ernest Hemingway morou em Cuba por
vários anos. Primeiro num quarto do Hotel Ambos Mundos, na Rua Obispo, quase na
Plaza de Armas. Depois, por insistência de sua esposa Martha Gellhorn, comprou
uma chácara chamada Finca Vigia, a 15 km do centro de Havana, na pequena cidade
de San Francisco de Paula. Vizinha a esta fica a Baía de Cojímar, uma pequena
vila de pescadores onde o escritor ia beber no Bar e Restaurante La Terraza,
local muito aconchegante, aberto até hoje. Cojímar foi a inspiração para o
cenário de O Velho e o Mar. Em Havana Hemingway bebia Mojitos na Bodeguita Del
Médio e Daikiris no Floridita.
Martha Gellhorn foi uma das esposas
de Hemingway. Era uma jornalista e escritora estadunidense. Um de seus livros é
chamado ‘A Face da Guerra’, relatos jornalísticos como correspondente das
várias guerras que cobriu. Um pequeno trecho da introdução ao relato das
guerras na América Central, na era Reagan (escreveu a introdução em 1986):
“A ex-embaixadora americana nas
Nações Unidas, a principal teórica da atual administração americana, enunciou
uma nova visão americana do mundo. Existem dois tipos de ditaduras, proclamou a
senhora: totalitária, comunista e absolutamente abominável, e autoritária, de
direita, talvez não tudo o que se poderia desejar, mas anticomunista e
aceitável como um aliado. É uma nova doutrina. Os direitos humanos são violados
em ditaduras totalitárias e o governo americano vai protestar energicamente. O
horrível abuso dos direitos humanos nas ditaduras autoritárias é ignorado ou
minimizado. Será que os outros governos do Mundo Livre aceitam a linha política
do Líder? Eles não expressaram qualquer repúdio público a este sistema de
subdividir a injustiça. Talvez devamos parar de nos chamar de Mundo Livre e, em
vez disso, nos chamar de Mundo da Livre Iniciativa. É um nome mais preciso, já
que engloba nossos clientes e companheiros “autoritários”.
“Muitos antes do medo da União
Soviética se tornar a principal preocupação dos governos americanos, eles
sustentaram ditaduras autoritárias por toda a tradicional esfera de influência
dos Estados Unidos, o Caribe, as Américas Central e do Sul. Se um povo oprimido
e faminto se rebelava, os fuzileiros eram enviados para restabelecer a ordem.
Se o povo conseguia eleger um não-tirano, que cuidaria de seus interesses, esse
governo era desestabilizado. As necessidades trágicas da população desses
países não eram importantes. A palavra gringo não é uma piada; para os pobres,
que são a maioria da população, é o nome que o inimigo recebe em toda a América
Latina.
“Eu fui para El Salvador em total e
completa ignorância....”
(A Face da Guerra – Martha
Gellhorn – Tradução de Paulo Andrade Lemos e Anna Luisa Araujo – Editora
Objetiva 2009)
Os relatos dessa senhora, que não é
nenhuma radical, apenas uma pessoa honesta, acerca das guerras de El Salvador e
do Vietnã, são muito emocionantes. Fatos reais. Feitos e artes do “mundo
livre”, da “maior democracia” do ocidente, atos heróicos para nos “libertar”
das cortinas de ferro.
Por isso, andando pela Baía de
Cojímar, entrando no Restaurante-Bar La Terraza, eu pensei mais nela que em
Hemingway e seus rifles. Morreu em 1998. Saudações, Martha Gellhorn.
DE COMO, EM CUBA, LEMBREI-ME DE
PINHEIRINHO
Nosso taxista anticomunista nos levou
por um giro a Praias do Leste. Tentava, todo o tempo, advinhar o que nós
estávamos falando. Quando escapava alguma palavra que ele entendia como
“comunismo” ou “Fidel Castro”, fazia uma careta, entortava a cabeça para o lado
e falava: “Comunismo no. No, comunismo no”.
Como era uma decisão pessoal não
ficar discutindo política com os cubanos, ficava apenas ouvindo as
manifestações dele.
Estávamos na Baía de Cojímar, a
quinze quilômetros do centro de Havana, ele se aproximou de mim, apontou para
os prédios de Alamar, que ficam vizinhos, e disse: Olha, pra você ver que
horrível o que eles fazem: quando algum prédio lá do centro de Havana ameaça
desabar eles pegam o povo que mora no prédio e alojam em apartamentos ali em
Alamar e depois recuperam o prédio, mas não chamam o povo para voltar a morar
lá. Usam o prédio recuperado para outra coisa. As pessoas acostumadas a morar
no centro tem de ficar morando longe (a gente olha pro lado da Baía e vê o
centro de Havana ali a 15 km), não é uma coisa horrível?
Respondo pra ele, com ar bem
distante, fingindo enfado: lá onde moro já vi coisa pior. Ele fica decepcionado
ao não perceber em mim um estarrecimento frente à grande injustiça por ele
narrada. Balbucia algo assim: Coisa pior, é?
SEM VIOLÊNCIA, SEM POLÍCIA VIOLENTA
Cássio já foi vítima de
violência policial, por isso o tema nos interessa muito. Por Cuba ter a fama de
ser um regime fechado, uma ditadura, pensávamos que veríamos nas ruas uma
polícia com cara de poucos amigos, truculenta. Muito pelo contrário, as pessoas
não sabem o que é violência policial. Ousei perguntar para uns dois cubanos
sobre casos de violência policial. Ambos negaram. Um respondeu: Como assim?
Polícia é para proteger as pessoas, não para bater. Ah, tá. Ficamos algumas
vezes observando policiais na rua. Não há muitos e andam isoladamente. Talvez
tomem conta de um determinado setor e fiquem caminhando pelas quadras que devem
vigiar, não sabemos. Portam um revólver. Vimos participarem de conversas na
rua, com passantes, gargalharem, como se fossem compadres.
Para confirmar o que Dona Agustina
nos disse na chegada, sobre cuidados com correntes de ouro e carteiras, Hilda
teve sua corrente de ouro agarrada por um rapaz na Rua Aquila, em Centro
Habana. Cássio ainda correu atrás do “meliante”, mas ele, dono do pedaço, sumiu
rapidamente. Em pleno dia. Isso, porém, foi uma exceção. Andamos muito na
cidade, inclusive à noite, nunca sentimos o clima pesado ou ameaça de atos
violentos contra nós.
Sem violência, sem assaltos a mão
armada, sem assassinatos, sem milícias e traficantes exercendo poder de vida e
morte sobre a população e sem polícia violenta, só se pode dizer que nesse
quesito Cuba é invejável.
MENOS MÉDICOS
Depois dos episódios do Mais Médicos,
da “maravilhosa” recepção aos médicos cubanos, dos gritos de “escravos”, pensei
comigo: ao preencher qualquer documento não devemos colocar a profissão de
médico como nossa profissão. Por segurança, vai que somos descobertos e levamos
uma surra. Melhor disfarçar.
Apenas paranóia. Tudo transcorreu sem
alterações. Dona Agustina até tentou que uma sobrinha médica ciceroneasse
Salém, valente defensor do SUS, por parte das estruturas de saúde pública de
Havana. Fui convidado a ir junto, mas pedi, implorei, que não me delatassem, em
Cuba, como exercendo essa profissão. Seguro morreu de velho. Acabou não
dando certo a excursão de Salém, porque a médica já estava acompanhando uma
equipe alemã.
Falando em SUS, um dia nos sentamos
num local na Plaza de Armas que servia “Guarapo com Ron” e começamos a
conversar. Surpreendeu-me que Salém acusou Lula de ter tentado prejudicar o
SUS. Fiquei muito surpreso mesmo. Nunca ouvi falar disso. Seria “el Ron en La
cabeza” de Salém? Não aprofundamos o assunto. Salém é muito militante. Sua vida
é uma defesa contínua dos direitos dos pacientes psiquiátricos, toxicômanos,
moradores de rua, etc. E é valente, se mete em muitas lutas. Por isso diz que
não tem tempo de ler os Blogs alternativos. Mas... Compra a Folha de São Paulo
aos domingos, costume de um tempo em que todos nós aprendíamos alguma coisa com
esse jornal. Tempo que passou. Será se Salém ainda se deixa envenenar?
Numa coisa concordamos: a medicina explodiu
com a era Lula. Nós médicos não conseguimos mais atender a demanda. E não
aumentou só o trabalho. Grana também. Melhorou para toda a sociedade
brasileira. Para a classe médica, isso e um pouco mais. Daí como entender que
essa classe se insurja com tanto ardor contra as administrações petistas?
Acabou o que restava de algum racionalismo? As pessoas já não fazem as escolhas
que lhe favorecem? São as trevas do fascismo bafejando nossas cabeças?
Que venham mais médicos... Nós não estamos dando conta.
“Guarapo”, ao ver essa palavra,
escrita na placa em frente ao restaurante, viajei longe. Fui até o ano de 1966.
Nosso pai migrara do Piauí para o antigo norte de Goiás que hoje é Tocantins.
Ou seja, atravessara o Rio Parnaíba para o Maranhão, alguns quilômetros e
atravessara o Rio Tocantins para o Goiás. Não era uma migração para muito
distante, como se pode pensar. Olhando no mapa do Brasil observa-se que o sul
do Piauí toca no antigo norte de Goiás hoje Tocantins. Naquela época,
entretanto, quando ainda não havia boas estradas, o deslocamento era muito
difícil, e a viagem parecia ter sido para muito longe. Juntando-se a isso as
incertezas econômicas de uma mudança, nosso pai preferiu deixar três dos cinco
filhos (até então nascidos) na casa de nossos avós, no Piauí. Ficamos eu, com
seis anos, e os dois menores, de um e dois anos. Nosso avô tinha um pequeno
engenho. Vivia de produzir cachaça e rapadura. Garapa de cana, para nós, era um
refresco e um alimento cotidiano. E se chamava garapa: g-a-r-a-p-a. Um ano
depois nosso pai foi nos buscar e fomos para o Goiás: uma pequena vila na beira
da rodovia Belém-Brasília, fundada por piauis, e onde só tinha piauís e um
punhado de mineiros. Ônibus das viações Expresso Braga e Rápido Marajó, que
faziam linhas interestaduais, paravam lá para lanchar. A lanchonete, de um
piauí, servia “Caldo de Cana”. Se a gente pedia garapa, eles corrigiam, o
“certo” é falar caldo de cana. Seguramente algum sulista comentara isso, de
passagem por lá, e os piauís locais passaram a ter vergonha de falar garapa,
tinham de falar “o certo”. Mas isso é outro assunto: Como pessoas usam palavras
para diminuir semelhantes. Alegrei-me, de verdade, com a palavra guarapo. Ali,
naquela pequena praça lotada de turistas de todas as partes do mundo, estávamos
tomando g-u-a-r-a-p-o com rum e não caldo de cana. Uma pequena vingança
retroativa a 1966 que me proporcionou Cuba libre (de frescura, breguice e
viralatice)!
ME VOY A BAYAMO Y SANTIAGO NAMORAR OS
NEGRÕES GUAPOS
Estávamos na Cafeteria Francesa à
noite. Por coincidência Dona Agustina apareceu lá para comprar os pães do café
da manhã do dia seguinte. Convidamo-la para nossa mesa. Sentou conosco. No
balcão, comprando alguma coisa, tinha uma moça negra, segurando uma criança
pela mão. Vestia um macacão rosa, curto, e era belíssima, deslumbrante. Homens,
mulheres e gays se viraram para admirá-la. Não foi orgulhosa. Não olhou para
ninguém, mas também não arrebitou o nariz. Saiu calmamente, puxando sua criança
pela mão. Dona Agustina disse que há uma região de Cuba, Bayamo, onde os negros
têm fama de serem especialmente belos.
Próximo destino: Bayamo. Se hay
negras lindas, hay também negrões.
Descobrimos, nas ruas de Havana, a
negritude cubana:
Nas ruas de Havana descobrimos
Cuba é negra
De Oriente a Ocidente
Cuba é negra
De Pinar a Santiago
Cuba é negra
Nas ondulosas curvas dessas ancas
Cuba é negra
Na exuberância desses falos
Cuba é negra
No punhal dos cimarrones
Cuba é negra
Nos sorrisos de marfim
Cuba é negra
Fidel visitando o Harlém
Cuba é negra
Na alegria e na festa
Cuba é negra
No sofrimento e na dor.
RON SANTIAGO DE CUBA AÑEJO
Uma coisa deliciosa de Cuba é o Rum
Santiago de Cuba Añejo (envelhecido). Tão bom que nem experimentamos outro mais
conhecido: O Havana Club. Não dá ressaca. Encontrado em todos os pequenos supermercados
e no aeroporto. O preço é o mesmo (uma característica do país que ficamos
apreciando muito, não importa se é no aeroporto ou na rua, o preço é igual):
7,60 Cucs a garrafa grande e 3,80 a pequena. Andávamos sempre com uma garrafa
para nosso deleite.
ZEZE DE CAMARGO E LUCIANO NO PARQUE
CENTRAL
Passando pelo Parque Central
sentamo-nos um pouco nos degraus da estátua de José Marti. Um jovem começou a
conversar conosco em português perfeito. Era do interior e estava ali esperando
parentes que vinham apanhá-lo. Fã de Zezé de Camargo e Luciano, sabia suas
músicas de cor. Aprendera português em um curso da televisão cubana para
entender melhor as letras. Estava visivelmente emocionado em conhecer falantes
do português. Pedimos que cantasse uma música da dupla. Cantou “É o amor”. Bela
voz. Cantou outras músicas até que seus parentes chegaram para buscá-lo. Cario
deixou com ele seu endereço e o convite para, caso quisesse, vir ao Brasil.
COMPRAS, O QUE CUBA TEM A OFERECER?
Em termos de compras, perfumes
nacionais de Cuba (Alícia Alonso e outras marcas), cosméticos (as mulheres a
quem presenteei com esmaltes e perfumes de Cuba elogiaram muito), livros
(história, negritude, candomblé, etc.), rum e charutos. Mais não há. Mas quem
vai a Cuba para fazer compras, se já vivemos no mundo do consumismo? Vamos lá
justamente buscando observar o contrário: para vermos como se vive num mundo
sem o intenso consumismo de hoje. Claro que a todo ser humano agrada ver enorme
diversidade de coisas para o consumo (de quem tem dinheiro no bolso). Dizem que
Sócrates andava no mercado de Atenas exclamando: quanta coisa de que não
necessito... Talvez os cubanos, seres humanos que são, preferissem ver a
exuberância de mercadorias que vemos em nossas cidades (mesmo que não possamos
dispor de tudo). Os cubanos talvez andem por seus mercados e pensem justamente
o contrário de Sócrates: não tem muitas das coisas que (acho que) preciso.
Mas seriam mais infelizes do que a imensidão de brasileiros excluídos?
ONDE MORA A FELICIDADE?
Vamos fazer um esquema:
Classe média brasileira: dispõe de
comida, educação, saúde, moradia, moeda forte, liberdade para viajar (porque
tem moeda forte), insegurança em relação à violência (a desigualdade extrema
será sempre fonte de insegurança extrema);
População brasileira pobre: Não
dispõe de comida, educação, saúde nem moradia garantidos, insegurança extrema,
vítimas tanto dos bandidos como da polícia, tem liberdade para viajar, mas não
viaja pois não tem moeda forte;
Povo cubano: eles mesmo afirmam que
dispõem do satisfatório em termos de comida, educação, saúde e moradia. Há
segurança (produto da reduzida desigualdade), a polícia é educada e
respeitadora do cidadão (eu e Cássio presenciamos e testemunhamos), falta moeda
forte, dizem que não têm liberdade para viajar, mas quando convidados por
alguém que banca a viagem eles conseguem liberação, donde se deduz que não
viajam porque não têm moeda forte, como acontece com o povo brasileiro pobre.
A blogueira oposicionista Yoánis não
saiu de Cuba para morar na Europa, depois voltou, montou seu negócio de blog,
altamente financiada, não se sabe por quem? Recentemente não viajou mundo afora
falando mal do governo e do momento do seu país? Então há falta de liberdade de
viajar? Não seria melhor dizer falta de dinheiro, moeda forte, para viajar?
Quem é mais feliz? Sei lá.
Entende? Alguém arrisca?
NÓS, HABITANTES DESSE VALE DE
LÁGRIMAS
Como no Brasil, e em outros países
calientes, em Cuba não falta sexo. Sexo é a maior dádiva dada por Deus, a nós,
habitantes desse vale de lágrimas. Sexo por prazer, sexo por dinheiro. E não se
venha com carolice de dizer que “sexo por dinheiro é prostituição e isso é
abominável.” Vamos mudar o disco.
As pessoas fazem sexo por beleza (a
beleza que provoca tesão) ou por dinheiro. Um jovem e belo fazer sexo com um
feio, velho, fedido, doente, gordo, etc. tudo que ao senso comum provoca
repulsa ou asco, mesmo que seja por dinheiro, é sim um ato nobre. Sexo é o ato
de intimidade mais profundo que um ser humano pode oferecer a outro.
Portanto, a profissão de prostituta
ou prostituto, é, no mínimo, respeitável. Eles aliviam a dor e a solidão dos
desprezados, tocam seus corpos e se deixam ser tocados.
É também um ato de amor. Via de mão
dupla. Ajuda mútua.
POLÍTICA I: CRIMEZINHOS LEVES DA
DIREITA
Desculpem os que amam os EUA, não dá
pra falar de política em Cuba, sem falar dos Estados Unidos. Eles são
onipresentes. Os cubanos sabem que sobre suas cabeças se debruça uma sombra
mortal que se chama EUA.
Quando pedimos maior acesso
democrático à informação no Brasil, o fim do monopólio privado nas
comunicações, uma reforma política que democratize a representação, as
políticas de estado laico, etc. sempre aparece alguém da direita para dizer que
isso é comunismo, que lutamos pelo aparelhamento do Estado visando uma ditadura
comunista, e citam rosários de crimes do comunismo, Stálin, Coréia do Norte,
etc. numa total deturpação do que é a luta por democracia num país desigual
como o Brasil.
Quem ainda acredita em comunismo,
cara direita? Só Vocês. O comunismo caiu de podre. Não há estímulo à produção.
Há escassez. O seu contraponto, o capitalismo, estimula a produção, utiliza
exército de milhões de trabalhadores (deixando outros tanto na reserva e no
desespero) mas não distribui a riqueza produzida.
Os filósofos, economistas e políticos
honestos em todo o mundo estão tentando sair dessa dicotomia: máquina de
produzir riquezas[1] com concentração, do capitalismo X justa distribuição com
baixa produtividade (escassez), do socialismo. E preservando o valor eterno da
democracia. Cabeças pensando, vamos, ajudem, em vez de ficar enumerando, pela
milésima vez, os crimes que Stálin praticou.
Agora, cara direita, se é pra
utilizar o princípio retórico do Tu quoque[2] (Tu também), fazendo competição
de crimes, vamos relembrar alguns crimes do capitalismo, especialmente aqueles
praticados por seu expoente-mor no último século, os Estados Unidos:
Quando as bombas de Na Palm jogadas
pelos EUA sobre o Vietnã caíam, elas não derrubavam só a floresta, elas
destruíam vastas áreas de plantações de populações pobres, que viviam da
agricultura. Se não morressem de bala ou de bomba nos próximos meses, elas
morriam de fome, pois tudo o que tinham era sua lavoura. Isso e mais outras
“coisinhas leves” levaram à morte de cinco milhões de pessoas do Vietnã, do
Laos e do Camboja. E os que ficaram aleijados? E as inúmeras crianças
vietnamitas que nasceram com defeitos devido à exposição química? E o desespero
de gerações e gerações? Martha Gellhorn visitou Saigon nessa época. Havia
espécie de campos de concentração para abrigar órfãos, infindáveis órfãos,
todos em grande sofrimento, desnutrição e extrema carência.
Tudo isso porque os EUA e a cara
direita odeiam os comunistas e querem salvar o mundo de seus crimes.
Em plena ditadura de El Salvador,
Martha Gellhorn esteve nesse país:
“A umas poucas quadras da fortaleza
de concreto cinzento da embaixada americana, no quintal sombreado do escritório
da diocese, há um barraco de folha-de-flandres pintado de verde, o lar da
Comissão de Direitos Humanos salvadorenha. É um bom lugar para se conseguir uma
visão geral do que preservar a liberdade significa para os salvadorenhos
comuns.
“Você pode ler aleatoriamente
seleções de centenas de depoimentos juramentados de atrocidades. Você pode
estudar álbuns de fotos dos assassinados. Você também pode ter conversas
esclarecedoras com pequenas mulheres morenas e robustas, imediatamente
simpáticas em vestidos de algodão limpos e desbotados, com seu cabelo preto
enrolado no topo de suas cabeças. As mulheres são parentes das vítimas que vêm
aqui, apesar do perigo, para testemunhar, pedir conselhos, receber uma doação
semanal de farinha de trigo, para conversar. Na minha rápida visita a San
Salvador, fiquei espantada com a confiança daqueles que têm mais a temer.
“Por exemplo, parei uma mulher
magrela que estava carregando um saco plástico de farinha de trigo sobre a
cabeça. Para sua família? Ela não tinha mais família exceto a mãe e três filhos
de seu irmão. Ela tem 47 anos e, há dois anos, tinha três irmãos e uma filha.
Um por um eles desapareceram. Ela me levou atrás do barraco para me mostrar o
que havia sido feito com ela porque ela ousou perguntar à polícia sobre seu
irmão mais velho, depois sua filha. Havia um corte em seu seio esquerdo que
descia até o mamilo, ela tinha uma ferida de facada profunda no ombro e outra
na cabeça.
“-Todos eles me estupraram. Depois,
eles enfiaram uma lanterna dentro de mim. Estou partida por dentro. Caminho
muito mal. – Isso foi por seu irmão mais velho. Ela levantou o vestido
rapidamente para revelar um corte longo direto descendo por sua barriga, outras
cicatrizes. – Eles acharam que eu estava morta. Eles me deixaram como morta. –
Isso foi quando ela tentou descobrir sobre sua filha. Ela não deu qualquer
sinal de autocomiseração, mas disse com lágrimas súbitas: Imagine, uma menina
de 25 anos, grávida.
“Quando o segundo irmão desapareceu,
sua mãe, incapaz de aceitar a perda em silêncio, voltou para sua aldeia com o
filho mais novo. Dias depois, encontrou o corpo decapitado do último filho a 7
quilômetros da aldeia.
“ Foi um encontro acidental; ela não
era diferente de qualquer outra mulher recebendo farinha.”
“O Presidente Reagan certa vez
descreveu a catástrofe do Vietnã como “aquela causa nobre”. Recentemente, ele
chamou os guardas de Somoza, novamente matando seus compatriotas na Nicarágua,
sob os auspícios da CIA, de “defensores da liberdade”. Agora, ele fala
eloquentemente em “preservar a liberdade em El Salvador, para o que mais
centenas de milhões de dólares são exigidos.” [3]
Tudo isso porque os EUA e a cara
direita odeiam os comunistas e querem salvar o mundo de seus crimes.
Estados Unidos fundou uma escola no
Panamá para treinar oficiais das forças armadas dos países das Américas,
chamada Escuela de las Américas. Sediada primeiro nos Fortes Amador e Gulick,
no Panamá. Depois se mudou para o Fort Benning, nos EUA. Em 17 de janeiro de
2001, mudou de nome para Instituto de Defensa para la Cooperación de Seguridad
Hemisférica.
A Escola de las Américas é uma escola
de torturas e de doutrinação para o “anti-comunismo”. Tão terrivelmente
mal-afamada ficou que há até ONGs formadas para denunciar suas atividades, como
SOAW - SOA Watch - Observador da Escola das Américas (School of Americas Watch
em Inglês)[4].
O senador democrata Martin Meehan, de
Massachusetts, disse uma vez: “Se a Escola das Américas decidisse celebrar uma
reunião de ex-alunos, reuniria alguns dos mais infames e notórios malfeitores
do hemisfério”.
“A Escuela de las Américas era um
bastião dos Estados Unidos”, lembra José Miguel Guerra, um dos mais
prestigiados jornalistas no Panamá, para o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung.
“Aqui, os militares de toda a América Latina, com exceção de Cuba, eram
doutrinados pelo Pentágono para ter o controle político sobre seus países.”[5]
Certamente foram os aprendizes dessa
escola que destruiram a vida daquela pobre mulher salvadorenha (e de outros
milhares ou milhões de “perigosos comunistas” América Latina afora) que Martha
Gellhorn entrevistou na fila de doação de farinha de trigo da diocese de San
Salvador.
Roberto d´Aubuisson, militar e
político salvadorenho, chefe de esquadrões da morte e mandante do assassinato
do arcebispo de San Salvador, Oscar Romero, se graduou na Escola de Las
Américas. No tempo de formação por lá ficou conhecido como “Maçarico Bob”,
“Blowtorch Bob”, por suas contribuições às técnicas de tortura com maçaricos.
Matou milhares de salvadorenhos, nas condições mais cruéis possíveis. Dizia que
para tornar El Salvador um país sem comunistas, era necessário matar ainda uns
200 a 300 mil.
É bem provável que a farinha de trigo
distribuída fosse uma doação da grande democracia, os Estados Unidos, nosso
grande defensor contra a ditadura comunista dos soviéticos, de Stálin.
Tudo isso porque os EUA e a cara
direita odeiam os comunistas e querem salvar o mundo de seus crimes.
Quem quiser conhecer mais
“crimezinhos leves” dos EUA pode buscar informações no livro Killing Hope de
William Blum.
POLÍTICA II: PARAÍSO -
INFERNO
Portanto, cara direita, crime por
crime, tu quoque.
Enquanto Stálin e seus seguidores se
matam principalmente em guerras internas, em disputas ideológicas e pelo
poder de encaminhar “a revolução”, os EUA direcionam seus crimes para o
“inimigo exterior” que ousar se rebelar contra sua vontade.
Tudo bem, a União Soviética invadiu a
Hungria e a Tchecoslováquia para evitar mudanças no regime. Mas, e os EUA,
invadiu quem, planejou e concretizou derrubadas de governos democráticos de
onde? Assassinou quantos por vias diretas ou indiretas? A lista é grande, vamos
omiti-la aqui.
O ditador da Coréia do Norte fuzila o
tio e a notícia se espalha em todos os jornais. O ditador não é sutil. É
escancarado. A grande democracia dos EUA é maravilhosa, tem julgamentos justos,
cidades lindíssimas, todos queremos ir pra lá mas... lá no escondido, lá no
subterrâneo, treina homens para usar o maçarico, para decapitar pobrezinhos em
El Salvador, para matar padres que defendem os pobres, etc. Qual a diferença
com a Coréia do Norte? A sutileza e a hipocrisia. Aí a cara direita faz a
pergunta clássica: Já que critica os Estados Unidos por que não vai para a
Coréia do Norte? Não, não vou. Se tiver de optar vou para os Estados Unidos.
Porque lá é o paraíso. A pergunta que a cara direita nunca faz é: Para que meu
país se torne um paraíso, eu preciso tornar a metade do mundo um inferno? Eu
preciso fazer uso dos conceitos da Arte da Guerra, do Sun Tzu, e ficar
detonando meio mundo, preventivamente, para construir meu paraíso? Eu
preciso treinar os militares de outros países na obsessão do anticomunismo a
ponto deles agredirem cruelmente seu próprio povo, em extensivos genocídios,
como fizeram as ditaduras latino-americanas, influenciadas pelos EUA?
A vontade dos EUA é manter-se, ele e
seus aliados, como um paraíso, para onde todas as riquezas afluem. Vontade de
mandar, regular a vida dos outros países, dispor de seus bens. Um dualismo tipo
paraíso/inferno. Onde criamos um paraíso para nós e um inferno para os outros.
Nós construímos nosso paraíso às
custas de eliminar a qualidade de vida dos outros, os meios de subsistência dos
outros. Ao mesmo tempo que os depredamos, construímos nosso muro. O muro do
México é típico como ilustração do dualismo paraíso/inferno. É como se
dissessem: Fiquem do lado de lá, miseráveis. Nós só queremos de vocês os
valores econômicos que raspamos de seu tacho. Não venham estragar o nosso
paraíso com a sua presença esfomeada.
O muro de Berlim foi erguido porque
os EUA e seus aliados se postaram na fronteira, com voz de sereia, chamando:
venham para o paraíso, venham para o paraíso. Com o objetivo de detonar o outro
lado pela fuga de mão de obra. O muro do México é muito mais cruel.
O muro do México desnuda o que os EUA
representam: a exclusão. O muro de Berlim encobre: olhem, todos querem fugir
para o nosso sistema de vida, nós somos o mundo livre, a democracia. Ocultando
que o “mundo livre” e próspero só subsiste com a escravidão neocolonial da
outra parte do mundo.
Por que ninguém se envergonha do muro
do México, como diziam que se “envergonhavam” com o muro de Berlim?
POLÍTICA III: MÉXICO E CUBA, SUPORTAI
Estados Unidos foram comendo porções
do México pelas beiradas, a ponto de um Presidente mexicano falar aquela famosa
frase: pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos.
O Brasil também sofre a ação do
Império. Todavia, pelo menos, está distante. México e Cuba estão ali, agarrados
com ele.
Os EUA tentam, há 52 anos colocar Cuba
novamente de joelhos. O embargo comercial é uma declaração de guerra, segundo o
jurista Dr. Pedro Serrano, em artigo na Carta Capital de 24/02/2013.
A organização política e econômica do
mundo está sempre em tentativas e experimentos. Cuba também tem direito a
fazer seus experimentos.
O grande feito de Cuba não é ter
experimentado o comunismo. O grande feito é ter dito não ao Rei Leão, ao
império, e estar resistindo até hoje. É isso que aprendemos a admirar nesse
pequenino e tenaz país. Cuba não aceitou o esquema estadunidense de
Paraíso-Inferno. E é isso a causa de todo o ódio dos Estados Unidos. Ódio de
quem não sabe viver e deixar viver. Ódio de quem não sabe o que é alteridade,
como sabe meu amigo Salém.
Cuba é a nossa fronteira.
Cuba é a Resistência.
QUE LINDA MÚSICA DE UM GUSANO
Dos músicos cubanos contemporâneos à
Revolução de 1959, parte permaneceu em Cuba – Os músicos do Buena Vista Social
Club são a maior expressão – e parte partiu para o “exílio dourado”, com muitos
dólares. Célia Cruz e Guillermo Portabales pertencem ao último time. Guillermo
Portabales tem uma música chamada Yo te canto Puerto Rico, onde canta os
seguintes versos:
Mi Puerto Rico querido hoy lloro mi
Cuba esclava
Mi Puerto Rico querido Como sufre tu
isla hermana
El pájaro ha sido herido e hoy sangra
de sus alas
E outra música, muito bonita, chamada
Lamento Cubano, cuja letra é:
¡Oh! Cuba hermosa, primorosa,
¿Por qué sufres hoy
Tanto quebranto?
¡Oh! Patria mía,
¡Quién diría
Que tu cielo azul
Nublara el llanto!
¡Oh! En el susurro del palmar
Se oye el eco resonar
De una voz de dolor
Que al amor llama…
¡Oh! Al contemplar
Tu ardiente sol,
Tus campos llenos de verdor,
Pienso en el tiempo aquel
Que se fue Cuba…
¡Oh! Cuba hermosa, primorosa,
¿Por qué sufres hoy
Tanto quebranto?
¡Oh! Patria mía,
¡Quién diría
Que tu cielo azul
Nublara el llanto!
Pienso en el tiempo aquel, que se
fue, Cuba...
Para muitos, tempos bons são aqueles
em que a vida é uma festa para poucos!
Será por coisas assim que Platão fez
aquelas criticazinhas a esses seres chamados poetas?
ÚLTIMOS DOIS DIAS EM HAVANA – HOTEL
NACIONAL
Nos dois últimos dias em Havana, eu e
Cássio nos mudamos para o Hotel Nacional. Despedimo-nos de Dona Agustina e sua
ajudante Jaqueline. Deixamos tudo que sobrara (sabonetes, papel
higiênico, balinhas Arcor tipo caramelo) para elas, além de uma boa “propina”.
Dona Agustina ainda chegou a dizer: No, hijo, no necessita... Mas em seguida
agarrou os Cucs. Salém e Alice permaneceram lá. Dona Agustina, a nosso
pedido, indicou o restaurante La Roca como sendo um bom lugar para se comer, na
região de Vedado. Por fim, chamou um taxista que cobrou 4 Cucs (10 reais) para
nos levar.
Hotel Nacional. Antigo, da década de
trinta, cheio de histórias. Em seu hall há fotos de hóspedes ilustres: Artistas
de Hollywood, Nat King Cole, Frank Sinatra, Presidente Lula, Glória Pires, etc.
Fica no início do bairro de Vedado, à beira mar, ao lado do Malecón.
Pagamos 360 euros por dois dias (mais
de mil reais!). Por seis pernoites em Dona Agustina, já com café da manhã
incluído, pagamos 390 reais.
Importante lembrar que o check in é
feito a partir das 16:00 hs. A Justificativa é que os trabalhadores da limpeza
necessitam de quatro horas para o trabalho – Entre o check out às 12:00
hs. e o check in às 16:00. Não adianta insistir, você só entra em seu quarto às
16:00 hs.
O café da manhã é soberbo. Um salão
enorme repleto de comidas, de máquinas de fazer sanduíches, de máquinas de
fazer omeletes e panquecas. Pela primeira vez constatamos que da proximidade
geográfica (apenas 123 km) entre Havana e os EUA alguma influência ainda havia
de restar: a variedade imensa de bacons e de ovos no café do Hotel Nacional,
típico, dizem, do estilo norte-americano de quebrar o jejum pela manhã.
Uma vez instalados, fomos
explorar o bairro. Na esquina das Ruas Infanta (Calzada de Infanta) e San
Lázaro, entramos numa livraria chamada “Alma Mater”, que é ligada à
Universidade de Havana. Muita coisa boa. Escolhi dois livros, pensando que o
preço na etiqueta fosse em Cucs. Ao passar no caixa, só recebiam em pesos
cubanos (portanto os livros eram de graça). Que faço? Não tenho pesos cubanos
aqui comigo. Vá na agência de correios ao lado e troque alguns Cucs por pesos
cubanos. Fui. Troquei apenas 4 Cucs (10 reais) no correio e com isso levei sete
bons livros. Absolutamente de graça.
Dali fomos conhecer a Copelia, a
famosa sorveteria cenário do filme Morango e Chocolate. Decepção total. Um
lugar de onde se deve fugir. No centro de uma praça há algumas construções.
Quando você entra na praça, achando que está passeando, é abordado por um
guarda dizendo que você está furando a fila. Pergunta também se vai pagar em
Cucs ou pesos cubanos. Se tiver pesos cubanos é enviado para uma das filas,
vai pro meio da galera, do povão. Se você tem Cucs, é conduzido para a
área de estrangeiros, uma sala no primeiro andar, sem janelas, com uma tevê
ligada, onde é servido um sorvete caríssimo e péssimo, péssimo. Fuja.
Lugar de comer no Vedado é mesmo no
La Roca, como aconselhou Dona Agustina. A enorme e deliciosa paella a 12 Cucs
(30,00 reais) é magnífica
ADEUS A CUBA
Dissemos adeus a Cuba em 09 de
novembro de 2013.
Adiós a Cuba é o nome de uma das
danças cubanas do compositor Ignacio Cervantes (1847-1905). Viveu tempos no exílio
na época das guerras de independência de Cuba. Essa composição foi tema do
filme Morango e Chocolate. Soa muito triste. Tem-se a impressão, nos movimentos
da música, que o compositor agarra-se a alguma coisa para não ter de ir-se,
para não partir involuntariamente. Súbito, alguma força o arranca e o manda
embora, sem comiseração (para o exílio).
Adiós a Cuba
A pequena peça musical Adiós a Cuba,
de Ignacio Cervantes, tem melodia triste, nostálgica, plena de
melancolia. Após a súplica inicial, repetida, sentida, lacrimosa,
no meio da obra há uma inflexão, de pesarosa desistência, como se uma grande
lágrima fluida, de inexorável adeus, de inevitável adeus, irrompesse, e com ela
levasse os pais, os amigos, os amores, todas as alegrias, a paisagem verde, as
flores do jardim, os animais de casa.
[1] Como disse o jornalista
estadunidense David Simon no texto EUA, um país dividido, publicado aqui no
GGN/Blog do Nassif
[2] Citação inspirada na Resenha de
Francisco Quartim de Moraes sobre o livro de Domenico Losurdo Stalin: história
crítica de uma lenda negra
[3] A Face da Guerra – Martha
Gellhorn – Tradução de Paulo Andrade Lemos e Anna Luisa Araujo – Editora
Objetiva 2009
[4] Demarchi – colaborador do
GGN/Nassif postou em 15/09/2012 um texto sobre o assunto.
[5] Dois parágrafos anteriores são
citações de um texto de Marcelo Rubens Paiva no Estadão: Escola de tortura vira
hotel 5 estrelas, de 10.07.2013