Ao assistir aos jornais televisivos e
programas esportivos esta manha de sexta-feira, 06 de dezembro de 2013, sou
bombardeado por uma enxurrada de “homenagens” a Nelson Mandela, homenagens que
seriam merecidas se legítimas e verdadeiras. Ah! Que fiquei indignado, que
fiquei revoltado com essas hipócritas homenagens, fiquei, sim. Hoje o
sul-africano é um herói. Estamparam manchetes de jornais dos principais países
e todos “homenageando” aquele que se transformou no grande líder da luta contra
a segregação racial, política imposta pelos brancos, descendentes,
especialmente, dos colonizadores ingleses e holandeses, que relegava aos negros
a condição de sub-raça, de sub-humanos e que perdurou por mais de quarenta
anos, sob a complacência das potências “democráticas”. Ouvir Alexandre Garcia
chamá-lo de herói, de exemplo para os políticos brasileiros; ouvir, até,
homenagem da rainha da Inglaterra é uma heresia. Gostaria de ouvir esses
posicionamentos nos idos de 60, 70. O que fizeram a grande imprensa, o Sr.
Garcia da Globo, as grandes potências, quando vigia o império do apartheid?
Ao encontro da minha indignação, eis que me
deparo com o texto a seguir pescado do Blog de Luis Nassif, que diz o que eu
gostaria de, efetivamente, dizer.
Do blog do Sakamoto
Precisamos de mais pessoas como
Mandela.
Pessoas que são capazes de usar a
força quando necessário e adotar uma atitude conciliadora quando preciso. Mas
que não descartam qualquer uma das duas acões políticas.
Por conta da morte de Mandela,
estamos sendo soterrados por reportagens que louvam apenas um desses lados e
esquece o outro, como se as folhas de uma árvore existissem sem o seu tronco e
os galhos. O apartheid não morreu apenas por conta do sorriso bonito e das
falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta firme contra
a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a estruturar.
É
fascinante como regimes execrados pelo Ocidente foram, muitas vezes, os únicos
que estenderam a mão a Mandela e à luta contra o apartheid. E como, décadas
depois, muitos países prestam suas homenagens a ele, sem um mísero por seu
papel covarde durante sua prisão. Ou, pior: como veículos de comunicação desse
mesmo Ocidente ignoram a complexidade da luta de Mandela, defendendo que o
pacifismo foi o seu caminho.
Desculpem, mas a necessária
conciliação para curar feridas ou a tolerância são diferentes de injustiça. E
ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A
desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem
cabe em todas as situações em que um grupo de pessoas é aviltado por outro.
“Eu celebrei a ideia de uma sociedade
livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com
oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero
alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para
morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.
As histórias das lutas sociais ao
redor do mundo são porcamente ensinadas. Ao ler o que os jovens aprendem nas
carteiras escolares ou no conteúdo trazido por nós jornalistas, fico com a
impressão que a descolonização da Índia, o fim do apartheid na África do Sul ou
a independência de Timor Leste foram obtidas apenas através de longas
discussões regadas a chá e um pouco de desobediência. Dessa forma, a
interpretação dos fatos, passada adiante, segue satisfatória aos grupos no
poder.
Muitos
que hoje lamentam por Mandela detestam manifestações públicas e mudanças no status
quo.
Adoram um revolucionário quando este
é reconhecido internacionalmente e aparece em estampas de camisetas, mas
repudiam quem ocupa propriedades, por exemplo, “impedindo o progresso''.
Leio reclamações da violência de
protestos quando estes vêm dos mais pobres entre os mais pobres – “um estupro à
legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de
destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas,
cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente
foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência. Ou ainda
professores que exigem melhores salários e resolvem ir às ruas para mostrar sua
indignação e pressionar para que o poder público mude o comportamento. Todos
eles são uns vândalos.
Daí, essa pessoa que ama Mandela, mas
não sabe quem ele é, pensa: poxa, por que essa gente maltrapilha simplesmente
não sofre em silêncio, né?
Muitas das leis criticadas em
protestos e ocupações de terra ou mesmo no apartheid não foram criadas pelos
que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estavam
ou estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está.
Nem sempre a legalidade é justa. E essa frase assusta muita gente.
Mandela é a inspiração. Com ele, é
possível acreditar que manifestações populares e ocupações resultem nos
pequenos vencendo os grandes. E, com o tempo, os rotos e rasgados sendo capazes
de sobrepujar ricos e poderosos.
Por isso, o desespero inconsciente
presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária
desses atos. Ou na tentativa de reescrever a história editando aquilo que não
interessa.
Enquanto isso, mais um indígena foi
morto no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo,
não um homem de bem como Mandela.
Enfim, precisamos de mais pessoas
como Mandela. Pois os bons do século 20 estão morrendo antes que realmente
entendamos suas mensagens