domingo, 24 de julho de 2011

A Crônica de Um Dia Errado

Sabe aquele dia em que tudo começa errado? Posso dizer que hoje, 20 de julho de 2011, é “aquele” dia. Espero que durante o seu transcorrer consiga mostrar-me que  meus presságios são infundados.
Em verdade, uso este termo “errado” para expressar a matinal situação deste dia por que passei. Olha só, estou na Av. Paulo VI, Pituba, aguardando um ônibus que me conduza à Av. Paralela, mais precisamente para o ponto do supermercado Extra. Eis que surge um certo ônibus com uma placa, em seu parabrisa direito, com a inscrição: “para no ponto do Extra”. Não titubeei, ingressei no coletivo, pela porta dianteira, (afinal, idoso tem uns privilégios, até mal vistos por alguns). Cortesmente, dirigi-me ao motorista: “bom dia, amigo” e não recebi uma resposta no mesmo diapasão, mas até ai tudo bem. A viagem seguiu. Felizmente não me apareceram, até então, aqueles personagens, público e notoriamente conhecidos, que sobem e descem a cada ponto de parada. Enquanto isto, eu dou sequência à leitura do livro “Nação Crioula”, à medida que, de quando em vez, tento identificar minha posição geográfica. Após algum tempo, percebo que o veículo não se dirige à Paralela. Como as vias de trânsito mudam e estão muito mudadas, entendi que poderia haver alguma ligação desconhecida que me levaria ao destino, nada! O ônibus percorria rumo oposto ao desejado por mim. Aguardei um ponto de ônibus conveniente e saltei. Atravessei e, êpa!, lá vem um Lauro de Freitas. Ingresso sem pestanejar. Com pouco (estranho esta expressão, não? Mas vamos lá), vejo decepcionado que o veículo tomava rumo da orla, mas de uma forma regressiva, pois está retornando por uma via que me leva ao Costa Azul, quem conhece a cidade, sabe do que estou falando. Que fazer? Saltar novamente, tentar outro ônibus? Olha acomodei-me e resolvi destinar-me a São Cristóvão, via Itapuã, onde poderei finalmente tomar um ônibus para minha residência em Barra do Jacuípe. Êta, introdução longa.

O Privilégio legal (porém contestado) do Idoso
Também, não deixaram de habitar minha mente, histórias por que já passei andando de ônibus e tendo que conviver com esta minha nova condição de privilegiado com passe-livre nos coletivos da minha cidade. Em São Cristóvão, ponto de ônibus preferido por mim, há um certo empregado da empresa, cuja função é extrair passagem para quem vai ingressar no ônibus que chega e se destina à linha verde. Eu não sabia deste detalhe e ingressei no ônibus e ouço, logo depois, os gritos aflitos do referido empregado, viro-me e ele a mim se dirige: “este ônibus não recebe passe de idoso!”. De pronto, respondi-lhe que não estava pedindo concessão alguma (já havia consultado meu Advogado sobre o direito do passe em ônibus intermunicipal, e a explicação me convence que não dá para discutir ali, no próprio ônibus).
Estava num ponto ônibus, na antiga Água dos Meninos, quando percebo dois ônibus da mesma empresa e para o mesmo destino e que iriam em direção por mim desejada. O primeiro passou (estava um pouco cheio) e acenei para o seguinte. Quando estou subindo os degraus o motorista vira-se para mim e pergunta: “que ônibus é aquele?”, respondi “não sei” (eu havia percebido a sua intenção, que era a de me questionar sobre o fato de eu não ter escolhido o primeiro veículo). Como ele fez um gesto acintoso de desagrado, perguntei-lhe: “você não quer que eu pegue seu ônibus, é?”. Não me respondeu, porém ficou a praguejar em voz baixa, hora consigo próprio, hora com um outro passageiro, que parecia ser seu colega. Um pouco antes de saltar e, mesmo assim, com receio de que arrastasse o carro antes que eu descesse, disse-lhe: “olha, eu só você amanhã.” Se minha mensagem foi entendida, não sei. Mas quis lhe dizer que o futuro, com a velhice, lhe aguarda; isto, se lhe for dado o direito de atingir a condição de idoso.
      
E o que se passa num ônibus
Quem anda de buzú, (vou acentuar para dar realce e para não confundir com búzio), sabe muito bem dos personagens que habitam o ambiente. É passageiro conversador; contador de mentira, que não se acanha de mentir e ainda fazê-lo em alto e bom som; é passageiro mal humorado; passageiro dorminhoco; passageiro leitor; é discussão entre passageiro e cobrador (o popular cobreiro); algumas das vezes, discussão com o motorista (mais conhecido como motô); e esses outros passageiros, os passageiros eventuais, sem parada. Estes é que são “os caras”. Tem os que vendem pastilhas ralis para a garganta; barra de chocolate por dois raus; tem os que vendem pãozinhos delícia de coco, de queijo, de doce-de-leite, por dois raus e fazem a introdução da sua publicidade em empostada voz: Senhores passageiros, desculpe incomodar (mas incomodando) sua viagem, mas temos aqui...que vão ajudar a fazer sua viagem... e tome lero; mas tem também uns intragáveis membros de uma seita (acho que é uma seita) de nome Manassés, se não me engano; digo seita porque parecem seguir uma mesma diretriz, parece obedecer a uma doutrinação, todos têm o mesmo discurso, alteram, às vezes, o produto a vender. São, sempre, ex-drogados, paulistas, nordestinos de diversas origens, que estão ali, “sem ajuda do governo”, a buscar a recuperação de pessoas tóxicoviciadas. Ah! Esses são insuportáveis.
Mas, há, também, casos divertidos, que nos ajudam a romper as distâncias com os bólides soteropolitanos a extremas velocidades, alcançadas graças à fluidez, à mobilidade (este termo é moderno, nada de démodé. É termo futurista, com foco em 2014) que se obtêm nas nossas super, high ways, ruas e avenidas desta grande metrópole.
Um conhecido meu estava a dormitar numa dessas viagens, quando é acordado por uma grossa, potente e nervosa voz anunciando um assalto, pela porta da frente. Ao tempo em que acordava, percebeu que havia movimentação no sentido trás-frente, pois estava a recolher os pertences, um comparsa, assim como fazem os coletores de dízimos na IURD e outras mais e no mesmo instante notou que algo estaria sendo colocado entre suas nádegas e o banco. Não é que alguém, querendo proteger seu “redondo” jogou-o às costas do nosso amigo. Que situação! Se  seu” ladrão, que não gosta de ser enganado, descobrisse a insensatez do ato, que seria, logicamente, atribuída ao nosso amigo. Ah! O nosso amigo estaria "frito".       
Para me prevenir de assalto a ônibus, antes de ingressar no coletivo, retiro minha habilitação, meu cartão de crédito, algumas cédulas, tendo a preocupação de separar da carteira de cédula, que sempre tem guardado o do “seu” ladrão, para não contrariá-lo. Aprendam!
Um certo maxão (é erro assim propositadamente, hein) viajava num desses nossos bem confortáveis veículos, que numa dessas raras (êpa!) vezes está superlotado, percebe alguma coisa estranha em contato com suas partes traseiras, encara o agente do ato que provocou tal sensibilidade, encara, encara e finalmente diz-lhe: olha, dou (ele lá) trinta minutos para que se saia daí, hein!
E se quiser mais histórias de buzu, contatem o Prof. Aloísio, dedicado esposo de Da. Maria Cachoeira.
E assim seguem os ônibus Estação Mussurunga-Lapa; Pituba-R2; Cajazeiras 3,4; Boca da Mata; Itinga; Saboeiro... 

“Nação Crioula”
Enquanto viajo nos ônibus de destinos opostos ao desejado e, como se fosse uma compensação, um consolo, ocorreu-me a idéia de fazer esta crônica. Já disse acima que estava lendo um livro. É de um autor, de origem lisboeta, muito viajado e que “...conta a história de um amor secreto: a misteriosa ligação entre o aventureiro português ... e ... que, tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola.” E em cujo enredo “misturam-se personalidades históricas do movimento abolicionista, escravos e escravocratas, lutadores de capoeira, pistoleiro a soldo, demiurgos, (para quem não sabe: criatura entre a natureza divina e a humana) numa luta mortal por um mundo novo.O personagem principal, de nome Fradique Mendes, amigo de Eça de Queiroz, com quem troca cartas regularmente, registra, através de correspondência para uma sua madrinha, para uma sua amante e para o amigo Eça, seu dia a dia em Luanda-Angola, Paris, Lisboa, Recife, Olinda, São Francisco do Conde, aqui no Reconcavo baiano, onde comprou um engenho, com muitos escravos, que os alforriou e, por causa disso, abriu guerra com os coronéis escravistas. Sua fazendo contava com mais de uma centena de cativos. Alforriados, passaram a prestar serviços remunerados, conforme a produção; mas um deles, por nome Cornélio recusou-se a permanecer na fazenda (e já era forro), pois seu maior desejo era retornar à sua nação, Hauçá, de um povo mulçumano do norte da Nigéria, segundo “o Aurélio”, e durante toda sua vida de escravo havia trabalhado, juntando recursos para esse dia, mas suas posses eram ainda insuficientes para a viagem e o nosso Fradique completou com suas patacas, reis, contos, o que lá fosse moeda da época.  Por causa deste grave conflito criado, recebeu uma ameaça na forma que passo a relatar: estava nosso personagem em viagem marítima, quando num destes embarque e desembarque, vê próximo ao seu camarote uma mala (a sua fora furtada) parecida com a sua, aproxima-se e nela estava inscrito seu nome, em grandes letras. Assustado, resolve abri-la e o que ali encontra: a cabeça empalhada de um homem negro, que pertencia nada mais nada menos a seu ex-escravo Cornélio.  Esta guerra; seu amor por uma ex-escrava, (não explicado convenientemente se correspondido de uma maneira integral); suas viagens e seus relacionamentos com poderosos do momento formam um história eletrizante, que me fez “passar” do meu ponto final, obrigando-me a andar muito de volta na direção da minha casa.

Ojó Ibaré: Dia da Amizade”
O dia que iniciou para mim como um “dia errado” é o mesmo dia que se dedica a homenagear a Amizade. A expressão do título acima é de autoria de Maria Stella de Azevedo Santos, Ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, a notória mãe Stella, e titula um seu artigo, publicado no jornal A TARDE de hoje, no qual tece considerações sobre este sentimento e faz-me saber que o dia foi instituído por um hermano argentino, de nome Ernesto Febraro, pelo fato de no dia 20/07/69, o homem ter conquista a Lua, fato que, para ele foi “uma prova significativa de que, quando as pessoas se unem, não existem obstáculos intransponíveis”, aspas para Da. Stella. Ainda, segundo a Ialorixá, “se não é fácil encontrar um amigo sincero, mais difícil ainda é ser um deles” e uma historinha da mitologia africana: “Orumilá viajava em comitiva e todos queriam ajudá-lo carregando sua sacola de divinação. Os “amigos” terminaram brigando entre si, fazendo com que Orumilá optasse por carregar seus apretechos...ele estava confuso de quem entre todos...era seu amigo de verdade e, por isso, resolveu fazer um teste. Mandou espalhar um boato de que ele tinha morrido. Muitos “amigos” apareceram para demonstrar o pesar à esposa de Orumilá. Cada um dizia que o referido orixá lhe devia dinheiro, o qual tinha que ser pago com o recebimento da sacola da divinação. Escondido Orumilá ouvia tudo aquilo com um profunda dor. Foi quando apareceu Exu, tão pesaroso quanto os outros. A mulher de Orumilá lhe perguntou, então, o que seu marido devia para ele. Exu respondeu que simplesmente nada...Orumilá apareceu e disse: “Quando a afinidade com um amigo é grande, ele é considerado mais que um parente.”
O próprio Hermano argentino disse: “Meu amigo é meu mestre, meu discípulo e meu companheiro”.
Um razoável número de pessoas são meus mestres, meus discípulos, meus companheiros, mas é melhor ficar no “razoável número...” para eu não cometer o penoso erro da omissão. Viva o Amigo!