sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O METRÔ DE SALVADOR

Viajava eu, de “busu”, por esses dias por Salvador e estava a contemplar o ritmo e o inquestionável progresso das obras do metrô de Salvador, com uma boa parte de seu projeto já concluída e em funcionamento, quando me chama a atenção a conversa entre uma senhora sentada ao primeiro banco, (o destinado em geral a deficiente físico), e o motorista. Referida senhora, bem trajada, de “boa aparência”, típica da “dondoca” (peixe fora d’água?) começou a soltar impropérios dirigidos ao governo do estado: “não vê aí? Nem nome de construtora tem! Só tem nome de governo do estado... é, ele vai se reeleger com isso... o povo que se dane...”. mantive-me tão somente ouvindo, mas com um misto de incredulidade e indignação quanto ao nível de estupidez que se observa em setor da população que deveria ser bem informada e não o é. Ou se trata efetivamente de má-fé?
Pois, bem, agora deparo-me com uma entrevista feita por Paulo Henrique Amorim a José Copello, presidente da Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB) e publicada no blog, “Conversa Afiada”, nesta data.
De início, José Copello afirma que o “o metrô de Salvador tem um histórico bastante negativo de obras iniciadas... Sob gestão do município de Salvador, foram iniciadas no ano de 2.000, com projeto inicial de 12km – em 2013, só havia 6km de obras construídas e sem condições de operação.
Somente em 2.013 com “atitude corajosa”, o então governador buscou transferir a responsabilidade do empreendimento, que àquela altura já havia consumido “...quase 1 bilhão públicos...sem nenhum benefício para a população...”, da Prefeitura Municipal para o Governo do Estado e “e essas obras paralisadas vieram para o Estado”.
Há que se destacar, neste mar de procelas corruptas, propositadamente geradas, em certo sentido, que o governo cobriu-se inteligentemente com uma modelagem de parceria público-privada e entregue à Bovespa (berço do “liberalismo econômico” brasileiro) para definição por leilão, tendo vencido a CCR. Ressalta ainda o presidente da CTB que não se contratou “...um obreiro, uma construtora e sim um serviço com a concessão de 30 anos. Esse detalhe é muito importante para explicar o resultado que nós estamos tendo hoje.”. E porque indagado explica a diferença entre contratar um serviço e contratar uma empreiteira: “Basicamente a principal diferença está na questão da matriz de risco.. o risco é 100% assumido pelo privado...
Expansões previstas: conclusão da linha 2 (Aeroporto) até o final deste ano; prolongar a linha 1, no período de 2 anos, até chegar a Águas Claras, para atender as Cajazeiras e região; para início no segundo semestre de 2.017, de obras de uma linha de VLT (veículo leve sobre trilhos) que vai substituir o trem do subúrbio.  
E mais importante ainda é que com a integração metrô-ônibus, se necessário, o passageiro, especialmente o trabalhador, pode acessar o ônibus, o metrô e um segundo ônibus, pagando somente uma passagem.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

“ESQUERDISMO IRRESPONSÁVEL”(?)

Há alguns dias passados, estava eu em uma reunião familiar, quando em dado momento, vem à baila uma discussão política e, como de hábito, surge o batido e rebatido assunto que é o de culpar o ex-presidente Lula ou o PT por tudo o que passou e passa o país. Tentei, de certa forma, contestar o já surrado tema   com, até, exagerada veemência, reconheço – e, na oportunidade, penitencio-me – pois considerei ser posição ingenuamente política, posição de ativistas de diretórios acadêmicos, de certos setores da “esquerda” e que somente fazem enfraquecer o enfrentamento ao “Sistema”.

Lendo um artigo do professor de Relações Internacionais da Universidade do ABC, Igo Fuser, publicado no “Brasil 247”, sob o título “Lula e o PT: vamos olhar a realidade de frente? (Sem esquerdismo irresponsável)”. Entendi que vem completamente ao encontro do que penso sobre este assunto, por isso que o publico no blog, inserindo alguns comentários, quando achar necessário. E peço que o leiam com atenção e rogo para que sirva de veículo para reflexão e possível revisão no foco desse tema.

Algumas pessoas têm manifestado repúdio à perspectiva de uma candidatura Lula como alternativa ao retrocesso brutal que o país está vivendo, nas mãos dessa burguesia golpista, vendida ao imperialismo. [Não acho que necessariamente seja Lula o condidato].
Elas defendem uma proposta socialista, revolucionária, enfim, o ajuste de contas final, apocalíptico, entre os trabalhadores e os patrões, com a superação definitiva do capitalismo no Brasil. Ou a morte, é claro. [Pura verdade. E é ai que a “porca torce o rabo”]  
No fundo, muitas delas estão convencidas de que o golpe "até que foi bom", pois retirou de cena lideranças conciliadoras do tipo Lula & Dilma, inviabilizando assim um projeto "impuro", conspurcado pela mácula dos compromissos, da negociação.
Chega daquela história do "copo metade cheio, metade vazio", chega de raciocínios complicados, do tipo "por um lado, por outro lado". Chega de aceitar limites, obstáculos, impossibilidades.
Se é para fazer política, segue esse argumento, temos que fazer política em estado de pureza absoluta, fieis apenas à nossa "consciência" e aos nossos livros favoritos. A terra da utopia, ao nosso alcance, que beleza! [É onde reside a ingenuidade]
Para essa turma, os resultados concretos é o que menos importa. Vale mesmo a emoção do momento. O que é viável e o que é inviável é irrelevante. Não existe conjuntura, não existe correlação de forças. Papo furado de reformista, de burocrata. [Foi o que se viu da parte das “esquerdas” naquelas manifestações pré-copa]
Dane-se a realidade, fiquemos com os nossos desejos.
A esses eu respondo que se trata de uma perspectiva reacionária, regressiva, pois condena a esquerda ao imobilismo.
Na prática, priorizar a defesa de um programa socialista significa não fazer nada, desistir de qualquer protagonismo real no país em que efetivamente vivemos, deixando a burguesia com a faca e o queijo na mão para ferrar à vontade com os trabalhadores, com a maioria desprivilegiada.
Se quisermos mudar alguma coisa de verdade, precisamos sair da caixinha minúscula daquela ínfima, microscópica minoria de brasileiros disposta a lutar pelo socialismo.
É sonho, total ilusão acreditar que um projeto de revolução socialista tem qualquer chance no Brasil de hoje. [Bingo!]
A questão da ordem do dia é mais básica, mais próxima da nossa realidade do dia a dia: lutar por DIREITOS, educação pública e gratuita, o fortalecimento do SUS, previdência universal em condições dignas, saneamento básico para toda a população, valorização do salário, manutenção dos direitos trabalhistas, transporte público acessível, cultura, reforma agrária, democratização da mídia, igualdade racial e de gênero. [Tal qual vinha acontecendo, não na intensidade que se devia, é claro, quando dos governos do PT – partido que nunca conseguiu ter o poder, não obstante]
Reforma política progressista, reforma do Judiciário e dos organismos policiais, democracia verdadeira e participativa. Desenvolvimento efetivamente sustentável, o petróleo do pré-sal para o povo brasileiro e não para as transnacionais.
Isso é que é ser verdadeiramente revolucionário, sem usar a palavra revolução. Isso é o projeto popular para o Brasil.
Mas é coisa pra quem quer mudança de verdade, e não para revolucionários de araque, só de blá-blá-blá. [“revolucionários de araque”!]
O Brasil real não é um centro estudantil, não é uma assembléia de alunos das ciências sociais da USP. [venho ou não venho dizendo coisas semelhantes?].
A verdadeira esquerda é aquela que se propõe a fazer política para multidões, para mudar um país de 200 milhões de habitantes dos quais 90% têm a Rede Globo como única fonte de informação e 50 milhões são evangélicos. [Vade retro, satanás!]
Um projeto desse tipo, para mudar de verdade, a partir das condições de hoje e não só dos nossos sonhos e desejos, passa por Lula e pelo PT.
Se a candidatura Lula será viável ou não é outra história, e é importante que mudanças básicas ocorram no PT para que ele se coloque à altura do seu papel histórico, ou ao menos se aproxime disso. [Perfeitamente!]
Pode não dar certo, pode ser que Lula seja preso ou impugnado como candidato, e o destino do PT é incerto - pode ser destruído pela repressão golpista/fascista em ascensão, pode se autodestruir nas mãos dos frouxos e dos traidores.
Mas está quadradamente enganado quem acredita que, se essa tragédia se consumar, a luta dos trabalhadores avançará um milímetro sequer.
Não surgirá outro partido de massas no lugar do PT, e o espontaneísmo das lutas localizadas se esgota em si mesmo se não alcançar um saldo organizativo sólido, se não se articular com movimentos sociais mais amplos, de dimensão maior, permanentes.
Sem lideranças respeitadas, testadas na luta, rostos e nomes conhecidos, dirigentes políticos capazes de obter a confiança (e o voto) de milhões e milhões de pessoas comuns, seremos incapazes de avançar um único passo.
É completa cegueira – ou pior, oportunismo vil -- torcer pela destruição do maior partido de esquerda do mundo (o PT) e pela morte política do maior líder popular de toda a história brasileira (Lula).

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

QUEM É BENEFICIÁRIO DE “Delação Premiada” (2)?

O Conversa Afiada reproduz artigo de Paulo Muzell, publicado pelo DCM:
Os dois são paranaenses, quarentões. Sérgio Moro de Maringá, Alberto Youssef de Londrina. O primeiro vem de uma família de classe média alta, filho de professor universitário, formou-se cedo em direito, fez pós-graduação, tornou-se juiz federal, estudou no exterior. O segundo, o Youssef não teve a mesma sorte. Filho de imigrantes libaneses pobres, aos nove anos já vendia pastéis nas ruas de Londrina. Muito esperto, ainda guri, pré-adolescente, já era um ativo sacoleiro. Precoce, antes de completar 18 anos já pilotava monoplanos o que lhe possibilitou uma mudança de escala, um considerável avanço nas suas atividades de contrabandista e doleiro. Com menos de trinta anos tornara-se um bem sucedido “homem de negócios”, dono de poderosa casa de câmbio, especialista em lavagem de dinheiro e remessa ilegal de dólares para o exterior. Em meados dos anos noventa operava em grande escala repassando recursos que “engordavam” o caixa 2 das campanhas de políticos importantes do Paraná e de Santa Catarina, dentre eles Álvaro Dias [conhecidíssimo “moralista” de combate ao PT – nota de Mário César (MC)], Jayme Lerner e Jorge Bornhausen.
Alberto Youssef foi, também, figura central na transferência ilegal de bilhões de dólares oriundos de atividades criminosas e de recursos desviados na farra das privatizações do governo FHC. [ah, se essas privatizações falassem! “estamos chegando aos limites da responsabilidade”, lembram? - MC]
Em novembro de 2015, o jornalista Henrique Berangê publicou na revista Carta Capital uma instigante matéria com o seguinte parágrafo inicial: “O juiz Sérgio Moro coordena uma operação que investiga sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas intermediadas por doleiros paranaenses. Foram indiciados 631 suspeitos e remetidos para o exterior 134 bilhões de dólares, cerca de 500 bilhões de reais.” Operação Lava Jato, 2014? Não, ele se referia ao escândalo do Banestado ocorrido no final dos anos 90. A privatização desse banco estatal comprado pelo Itaú segundo estimativas trouxe um prejuízo de no mínimo 42 bilhões de reais [isso, em comparação com os prejuízos causados pelo “petrolão” é fichinha - MC] aos cofres públicos do país. Mas antes do banco ser vendido, sua agência em Nova York foi o porto seguro dos recursos bilionários para lá transferidos pelos fraudadores.
Na segunda metade dos anos noventa através das contas CC5 o então presidente do Banco Central Gustavo Franco escancarou as portas para uma sangria de recursos [destaque dado por Mário César] que daqui migraram para engordar as polpudas reservas de empresários, políticos, grupos de mídia no exterior. Sem dúvida o maior episódio de corrupção da história do país [esse, sim, maior, bem maior episódio de corrupção da história do país! - MC]. Foi aberta uma CPI no Congresso, virou pizza; o Banco Central boicotou as investigações e a imprensa silenciou. Só a Globo enviou 1,6 bilhões de dólares, mais de 5 bilhões de reais [... o que dizer disso, srs. moralistas globais (de conglomerado Globo)? - MC] . Além das grandes empreiteiras na lista dos fraudadores lá estavam também outros grupos da mídia: a editora Abril, o Correio Brasiliense, a TVA, o SBT, dentre outros. A justiça foi convenientemente lenta, os crimes prescreveram, só foram punidos alguns integrantes da “arraia miúda”. Ironias da história: a corporação Globo, futura “madrinha” de Moro cometeu os mesmos ilícitos que mais tarde seriam por ele denunciados na operação Lava Jato [cômico, se não trágico! - MC]. Desta vez, porém, as diligências policiais e ações judiciais não foram arquivadas e Moro pôde posar de “campeão na luta contra a corrupção, herói nacional.”
O silêncio da mídia repetiu-se em 2015 quando a operação Zelotes denunciou que membros do Conselho de Administração de Recursos Fiscais, o CARF, estavam recebendo propinas para livrar grandes empresas de multas aplicadas por prática de sonegação de impostos. Bilhões de reais de dívidas da Gerdau, da RBS, do Banco Safra, do Banco de Boston, da Ford, do Bradesco, dentre outras empresas e grandes grupos da mídia. As apurações preliminares estimaram que mais de 20 bilhões de dólares foram desviados dos cofres públicos, sendo este montante apenas a “ponta do iceberg” [e somente ficou-se nas “preliminares”! - MC]. Certamente a continuidade das investigações chegaria a valores muito maiores.
Começou lá nos primeiros anos da década passada, o idílio Moro-Youssef, em 2003 para ser mais preciso. Apesar do protagonismo central do doleiro na prática de ilícitos, ele foi beneficiado pela delação premiada, ficando livre, leve e solto. Prosseguiu, é claro, na sua longa e bem sucedida carreira de crimes bilionários. Observe-se que na delação premiada a redução da pena ou o perdão é concedido ao réu sob expressa condição de promessa de ilibada conduta futura.
É claro que a biografia de Youssef não poderia alimentar nenhuma esperança de regeneração, de que ele abandonasse as práticas ilícitas.
Onze anos depois, [vejam bem esse detalhe cronológico! O “doleiro” celebrizou-se na prática da “delação premiada - MC] em março de 2014, na fase inicial da operação Lava Jato, Youssef foi novamente preso por Moro. Foi constatado que ele era o principal operador das propinas que alimentaram o caixa das campanhas de inúmeros políticos especialmente do PP e do PT no chamado Mensalão 2, ocorrido em 2005. O primeiro, o Mensalão 1, o da compra dos votos para a reeleição de FHC não teve consequências porque Geraldo Brindeiro, o Procurador Geral da República, [mais conhecido como engavetador geral da república – MC] das 626 denúncias criminais dos seus oito anos no cargo (de 1995 a 2003), arquivou mais de 90% delas, encaminhando para indiciamento pelo Judiciário apenas 60, justamente as de importância menor e que envolviam personagens secundários. Brindeiro ficou por isso nacionalmente conhecido como o “engavetador-geral da República“. A grossa corrupção que marcou os dois períodos do governo Fernando Henrique foi varrida para de baixo do tapete: o Ministério Público Federal e o Poder Judiciário taparam o nariz e fecharam os olhos.
A delação premiada de Youssef realizada em 2014 e 2015 foi justificada por Moro pela importância que teve para a obtenção de provas que culminaram em dezenas de indiciamentos e prisões de importantes figuras, possibilitando a comprovação de desvios bilionários. Fala-se que a Lava Jato apurou pagamentos de propinas de valores acima dos 10 bilhões de reais, valor expressivo mas que, pasmem, representa apenas 1,7% dos valores desviados dos cofres públicos nos episódios do Banestado e da operação Zelotes. [imaginem que a soma do Banestado e da Zelotes representa a fabulosa quantia de cerca de 600 bilhões de reais! - MC]
Segundo o noticiado, Youssef foi indiciado em nove inquéritos. Algumas ações com sentenças já transitadas em julgado resultaram em condenações que totalizaram 43 anos de prisão em regime fechado. Há ainda outras ações que, na hipótese de ocorrer a condenação, poderiam resultar em 121 anos e 11 meses de prisão [Atente-se bem: mais de 100 anos de cadeia! - MC]. Sérgio Moro anunciou este mês que pela contribuição que a delação de Youssef trouxe para a operação Lava Jato, sua pena foi fixada em três anos, dois quais dois anos e oito meses [de 100 para  3 anos!] já cumpridos. A partir de novembro ele deixará o regime fechado e vai passar os meses restantes em prisão domiciliar. [que beleza!!! – MC]

A legislação penal tipifica o ilícito e determina a pena de acordo com sua gravidade. Cabe ao juiz na sentença aplicar a sanção que a lei determina. O que pode ser questionado na delação premiada é que não existe na lei a dosimetria que imponha ao magistrado um limite para a redução da pena. O caso de Youssef é um exemplo típico: Sérgio Moro, se considerarmos as graves ilicitudes, os valores envolvidos e as inúmeras reincidências do doleiro foi extremamente indulgente, generoso. [bote-se prá lá de indulgente, de generoso!] Alberto Youssef estaria certamente fadado a morrer na prisão cumprindo as penas a que foi condenado. Em novembro, no entanto, já estará em casa e em março do ano que vem solto. Muito provavelmente preparado e disposto a cometer novos crimes. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

QUEM É BENEFICIÁRIO DE “Delação Premiada”? (1)


 Vou publicar, em série, dois artigos extraídos do “Conversa Afiada”, (vale a pena frequentá-lo regularmente), e que cuidam do “instituto” da “Delação Premiada”. 
Neste primeiro episódio, veremos que é bem antigo o tal do instituto, como bem antiga, também, é sua causa para fins bem opostos dos que deveria ser a precípua finalidade. Pois, conforme Emiliano José e Patrícia Valim, (vejam ao fim do artigo, informações sobre os autores), esse deletério uso já ocorrera desde os fins do século XVIII.
   
“Delação premiada” na Conjuração Baiana de 1798
Emiliano José e Patrícia Valim*
A Conjuração Baiana de 1798, um dos episódios mais importantes de nossa história, pode iluminar o presente, como sempre o passado faz. O setor dominante local, que participou da primeira fase do movimento, diante da descoberta da revolta, soube dar um duplo twist carpado nos setores médio e baixo daquela sociedade e, para não ser incriminado por crime de sedição, passou a colaborar com as investigações: formularam as principais denúncias, ajudaram a premiar os delatores e entregaram seus escravos à justiça. 
Desde lá, e quaisquer semelhanças com pessoas vivas ou mortas será mera coincidência, ou não, a delação premiada era mecanismo utilizado, apesar das reformas do Direito Moderno após o Consulado Pombalino. Desde então, entregar a cabeça dos de baixo foi prática corriqueira das classes dominantes para manter as suas intactas. Não pensem estejamos exagerando, vítimas de quaisquer tentações panfletárias. Que se mate a cobra e se mostre a cobra morta.
Abertas as devassas para a investigação dos autores dos dez boletins sediciosos afixados em prédios públicos, descobertos na manhã de 12 de agosto de 1798, e dos participantes da revolta, os poderosos recuaram, pois recai sobre eles a acusação de reuniões para se organizar a revolta. Apressaram-se em entregar seus próprios escravos à justiça, pretendendo que eles corroborassem suas denúncias contra quatro homens negros, pobres e pardos, com o objetivo de reafirmar que eram leais súditos da Coroa, e o quanto estavam dispostos a servir à lei e à ordem.
Para a entrega dos escravos, contaram com a prestimosa ajuda do homem mais poderoso da Bahia, secretário de Estado e Governo do Brasil, José Pires de Carvalho e Albuquerque. Este, saiu doido atrás de outros poderosos, incitando-os a entregar seus negros. Com isso, ele e os demais livrariam a pele.  Não só da acusação de participar do levante, como também das denúncias de enriquecimento ilícito, contrabando e principalmente de atuação duvidosa à frente dos órgãos da administração local.
Albuquerque era o mais proeminente dos entregadores de escravos. Proprietário do Solar do Unhão, de plantações de tabaco e de engenhos e açúcar.  Dinheiro não lhe faltava. Poder político, também não. Secretário de Estado e Governo do Brasil – cargo cujas vitaliciedade e hereditariedade foram compradas por sua família. Era ainda Intendente da Marinha e Armazéns Gerais, Vedor Geral do Exército, Provedor e Ouvidor da Alfândega da Bahia, e deputado da Junta da Real Fazenda.
José Pires de Carvalho e Albuquerque era o exemplo acabado do acumpliciamento entre o público e o privado. Proprietário de quatro escravos entregues. Foi essa “pronta-entrega de escravos”, surgida nos autos, que acabou por revelar a participação de oito homens poderosos na conspiração, todos eles fazendo a pronta entrega de suas propriedades, diga-se: de seus escravos. O restante, intacto.
Livraram-se, com a entrega dos escravos, de serem acusados do crime de sedição e de práticas pouco ortodoxas com a coisa pública.  As acusações de “ausência de limpeza de mãos” por parte desses senhores e de utilização da máquina pública para enriquecimento ilícito eram tantas e tão variadas que o cronista Luís dos Santos Vilhena os qualificou de “Corporação dos Enteados”, dadas as relações promíscuas mantidas com a Justiça e a administração pública em benefício próprio.
Mas naquela sociedade colonial e escravista, não era apenas a “Corporação dos Enteados” que era constantemente denunciada. Dois dos desembargadores do Tribunal de Relação da Bahia designados para as investigações da Conjuração Baiana de 1798 também foram constantemente denunciados à Coroa por prática de contrabando e excesso de poder sem que houvesse qualquer providência: Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto e Manuel de Magalhães Pinto e Avellar de Barbedo. Não interessava à Coroa portuguesa punir os agentes que ocupavam o principal orgão que garantia a direção política da dominação portuguesa no Brasil.
O mulato Joaquim José de Santa Anna foi um dos denunciantes do encontro no Campo do Dique do Desterro, marcado para a noite de 25 de agosto de 1798, que deveria ser o marco do início do levante. A delação dele foi recompensada: condecorado com a Ordem de Cristo, promovido a sargento-mor do Terceiro Regimento de Milícias da Bahia, tornou-se arrendatário de um pedaço de terra de José Pires de Carvalho e Albuquerque, em cuja casa aconteceram várias reuniões para se discutir questões da França revolucionária e a organização da revolta.
A “Corporação dos Enteados” participou da organização do levante porque não obstante tivesse enorme poder, estava insatisfeita com o anúncio de medidas por parte da Coroa, pretendendo recrudescer o sistema de dominação colonial ao dinamizar as finanças com o fim dos monopólios dos contratos e arrematações, agilizar o sistema da Justiça, combater a corrupção, a promiscuidade entre cargos públicos e objetivos privados, e queria ainda criar um sistema de tributação progressiva e justa.
Tais medidas visavam conter qualquer tentativa de repetição no Brasil de uma revolta escrava como a de São Domingos ou algo semelhante ao que ocorria na França revolucionária. Eram medidas reformistas, que atacavam frontalmente os privilégios da Corporação dos Enteados. Percebendo que esse grupo não estava de brincadeira, a Coroa recuou, atendeu as demandas políticas e econômicas dos enteados - prejudicando, inclusive, um grupo poderoso de capitalistas portugueses. O medo da revolução uniu as duas pontas – a Coroa com medo de uma convulsão social e os Enteados, que criam ser revolucionárias reformas que diminuiriam seus privilégios.
Depois de mais de um ano de investigações duvidosas, com direito a “delações premiadas” e ausência de provas contra os acusados, os desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia, constantemente denunciados por “ausência de limpeza de mãos”, concluíram que João de Deus do Nascimento era o autor dos boletins manuscritos e o “cabeça” da projetada revolução. Liderava Lucas Dantas Amorim, Manuel Faustino e Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga. Quatro homens livres, pobres e mulatos. Enforcados, seus corpos esquartejados, partes expostas por toda a cidade durante vários dias, na manhã de 8 de novembro de 1799, na Praça da Piedade, em Salvador.
Os poderosos da Corporação dos Enteados com os desembargadores do Tribunal da Relação da Bahia e o próprio governador da Capitania da Bahia, d. Fernando José de Portugal e Castro, se juntaram, encontraram uma saída, fizeram um cruel efeito-demonstração para sinalizar a não aceitação de qualquer nova experiência como aquela: quando homens livres, pobres e negros/mulatos fizessem política, seriam condenados à pena última.  
Nesse conluio, deixaram de lado vários participantes da revolta, sobretudo os poderosos. Não era pouca gente envolvida. Das informações dos boletins manuscritos, 513 pessoas eram de corporações militares, 187 oficiais. Noticia-se, ainda, a presença de 13 homens graduados em letras, 20 cidadãos comuns, oito do comércio, oito frades bentos, 14 franciscanos, 48 clérigos e oito familiares do Santo Ofício, entre outros. Só quatro pagaram o pato; pobres, negros/mulatos.
Ter muita gente armada mostrava a disposição de luta dos participantes da revolta, e não por acaso uma das reivindicações fundamentais era o aumento do soldo para 200 réis diários e isonomia nos critérios de ascensão na hierarquia militar. A presença de religiosos revela a sensibilidade das corporações eclesiásticas para com as reivindicações populares.
O trágico fim dos quatro enforcados na Praça da Piedade revela uma tradição brasileira: o de encontrar bodes expiatórios nas crises, o de mexer com tudo para deixar como está. E revela também como age o Judiciário ao longo da história: apesar do formalismo com as várias reformas modernizadoras do Direito, a politização da justiça é o recurso para a manutenção do status quo.
Se algum exemplo tem de ser dado, se é necessário a qualquer custo embargar qualquer ascensão das classes populares à vida política, se é preciso estancar qualquer arroubo reformista, se é essencial sinalizar para que experiências democráticas bem-sucedidas não se repitam, é preciso escolher a quem matar, sinalizar que está agindo, que está punindo, e não importa que se punam apenas alguns, os escolhidos para serem esquartejados.
Ao fazer o sangue correr, tenta-se evitar qualquer outra conjuração, e ali era um levante que atacava a escravidão e o domínio colonial – para uns, apenas como argumento para manter privilégios; para outros, pra valer. Daquele episódio, nos recordamos, pelo positivo, do exemplo de luta dos envolvidos e dos quatro mártires; pelo negativo, da corrupção da administração, da politização da justiça e da tradição acomodatícia das classes dominantes. E acrescente-se: malgrado o Império tenha sido o que foi, a Coroa portuguesa perde o cetro poucos anos depois.
Nós proclamamos:
O medo não pode vencer a esperança!
Animai-vos, povo!
Emiliano José é jornalista, professor da Universidade Federal da Bahia (aposentado), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela mesma Universidade        , autor de mais de uma dezena de livros, o último dos quais “A intervenção da imprensa na política brasileira: 1954-2014”, editado pela Editora Fundação Perseu Abramo.

Patrícia Valim é professora de História do Brasil Colonial/UFBA e autora da Dissertação de Mestrado em História Social “Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica”, USP/2007; e da tese de doutorado “Corporação dos enteados: tensão, contestação e negociação política na Conjuração Baiana de 1798”, USP/2013.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

“HISTÓRICO DEPOIMENTO DE UM PRISIONEIRO”

O título foi “tomado” do Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, que sintetiza muito bem “a prisão” de Lula. Sim, Lula já está preso há algum tempo! Desprovido de seu mais elementar direito que é o da ampla defesa e do direito a um julgamento imparcial. Perseguido, “vasculhado”, humilhado, enxovalhado e a pretensão maior de seus algozes é enterrá-lo vivo! Enterrar junto com ele o sonho de um país mais justo; de uma nação soberana, dona de sua própria riqueza; de um país com voz, dentre as grandes nações; de um país sem fome!

“Em mais de 40 anos de atuação pública, minha vida pessoal foi permanentemente vasculhada - pelos órgãos de segurança, pelos adversários políticos, pela imprensa. Por lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores, cheguei a ser preso, condenado como subversivo pela infame Lei de Segurança Nacional da ditadura. Mas jamais encontraram um ato desonesto de minha parte. 

Sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente. Nunca fiz nada ilegal, nada que pudesse manchar a minha história. Governei o Brasil com seriedade e dedicação, porque sabia que um trabalhador não podia falhar na Presidência. As falsas acusações que me lançaram não visavam exatamente a minha pessoa, mas o projeto político que sempre representei: de um Brasil mais justo, com oportunidades para todos. 

Às vésperas de completar 71 anos, vejo meu nome no centro de uma verdadeira caçada judicial. Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar. 

Desde que essa caçada começou, na campanha presidencial de 2014, percorro os caminhos da Justiça sem abrir mão de minha agenda. Continuo viajando pelo país, ao encontro dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, para debater e defender o projeto de transformação do Brasil. Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social. 

Nestes encontros renovo minha fé no povo brasileiro e no futuro do país. Constato que está viva na memória de nossa gente cada conquista alcançada nos governos do PT: o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, o novo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa de Aquisição de Alimentos, a valorização dos salários - em conjunto, proporcionaram a maior ascensão social de todos os tempos. 

Nossa gente não esquecerá dos milhões de jovens pobres e negros que tiveram acesso ao ensino superior. Vai resistir aos retrocessos porque o Brasil quer mais, e não menos direitos. 

Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito. 

Jamais pratiquei, autorizei ou me beneficiei de atos ilícitos na Petrobras ou em qualquer outro setor do governo. Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma "organização criminosa", e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que "não há fatos, mas convicções". 

Não descarto que meus acusadores acreditem nessa tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do "chefe", evidenciando a falácia do enredo. 

Percebo, também, uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições. Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES. 

De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não passaram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa. 

Passados dois anos de operações, sempre vazadas com estardalhaço, não conseguiram encontrar nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados. Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta. 

Há 20 anos moro no mesmo apartamento em São Bernardo. Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios. 

A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção - é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos. 

Acusam-me, por exemplo, de ter ganho ilicitamente um apartamento que nunca me pertenceu - e não pertenceu pela simples razão de que não quis comprá-lo quando me foi oferecida a oportunidade, nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço. Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal. 

Acusam-me de corrupção por ter proferido palestras para empresas investigadas na Operação Lava Jato. Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos? 

Meus acusadores sabem que não roubei, não fui corrompido nem tentei obstruir a Justiça, mas não podem admitir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia. Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública. 

Tento compreender esta caçada como parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta. Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil. 

É necessário frisar que nós, do PT, sempre apoiamos a investigação, o julgamento e a punição de quem desvia dinheiro do povo. Não é uma afirmação retórica: nós combatemos a corrupção na prática. 

Ninguém atuou tanto para criar mecanismos de transparência e controle de verbas públicas, para fortalecer a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público, para aprovar no Congresso leis mais eficazes contra a corrupção e o crime organizado. Isso é reconhecido até mesmo pelos procuradores que nos acusam. 

Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história. O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito. É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país. 

LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA”

terça-feira, 13 de setembro de 2016


UMA SANTA QUE NÃO ACREDITAVA EM DEUS
Almoçava com Mário, Mônica e Ana Luiza, (filho, nora e neta, respectivamente) e em dado momento minha nora suscitou comentário sobre a Madre Teresa de Calcutá. A prêmio Nobel da paz, haveria, segundo constara em uma dessas redes sociais, sido membro de uma seita que tinha como dogma o autoflagelo e coisas que tais; paremos por aqui.
Por alguma dessas inexplicáveis coincidências, leio hoje de Leonardo Boff,
(“é filósofo, teólogo e professor aposentado de Ética da UERJ”

 ninguém menos que um dos idealizadores da Teoria da Libertação.

"as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar"...

[comentários condenatórios do ex-Papa Ratzinger]

“A cristologia de Boff se caracteriza pela primazia dos elementos antropológicos sobre os eclesiológicos e dos elementos sociais sobre os individuais. Boff valoriza os aspectos humanos de Jesus e sua relevância libertadora, destaca que a originalidade de Jesus se manifesta quando este corrige os ensinamentos de seus antepassados, em oposição ao sistema e à dimensão meramente subjetiva da fé...”

Prossegue o antecessor de do Papa Francisco.

[E Boff, foi condenado por optar pela “primazia dos elementos antropológicos (relativo ao Homem) sobre os eclesiológicos (dogmas da Igreja?), e dos elementos sociais sobre os indivíduos]

Em1992, ante novo risco de punição, desligou-se da Ordem Franciscana e pediu dispensa do sacerdócio

Inseri estas informações para apresentar, a quem não conhece, o nobre colunista Leonardo Boff do blog Brasil 247.
Ele em seu artigo, pede para se deixarem de lado por um momento as questões políticas e nos ocuparmos com um tema de
“...grande relevância existencial e espiritual. Trata-se da noite escura que a recém canonizada Madre Teresa de Calcultá viveu e sofreu desde 1948 até a sua morte em 1997. Temos os testemunhos recolhidos pelo postulador de sua causa, o canadense Brian Kolodiejchuk num livro Come Be My Light (Venha, seja a minha luz).”
Poderia me ater ao fato do quão são hipócritas os dogmas da religião, qualquer que seja,
(“Na Igreja Católica...ponto de doutrina já por ela definido como expressão legítima e necessária de sua fé”),
mais hipócritas, ainda, são seus sequazes. Sejam os tradicionais ou os noviços cristãos, travestidos de evangélicos. Mas deixo o assunto de lado. (há coisa mais irritante do que se querer converter quem não comunga com a sua “Fé”?).
Portanto, vou me ater a “a noite escura... de Madre Teresa de Calcutá”.
Imaginar que uma Madre, canonizada; isto é, tornada santa, que viveu, “como é notório”, segundo escreve Boff,
em Calcutá recolhendo moribundos das ruas para que morressem humanamente dentro de uma casa e cercados de pessoas...”   
E, ele mesmo, afirma ter-se surpreendido
“...quando viemos saber de seu profundo desamparo interior, verdadeira noite sem estrelas e sem esperança de um sol nascente.”  
E
Há tanta contradição em minha alma: um profundo anelo de Deus, tão profundo que me faz mal; um sofrimento contínuo e com ele o sentimento de não ser querida por Deus, rejeitada, vazia, sem fé, sem amor, sem cuidado; o céu não significa nada para mim, parece-me um lugar vazio
E diz mais, nosso Frei Boff
“...muitos místicos testemunham esta experiência de obscuridade. Constatamo-lo em São João da Cruz, em Santa Teresa D'Avila, em Santa Teresa de Lisieux, entre outros. Esta última, tão meiga e expressão da mística das coisas cotidianas, escreveu em seu Diário de uma Alma:" Não creio na vida eterna; parece-me que depois desta vida mortal, não existe nada: tudo desapareceu para mim, não me resta senão o amor".
Imagine! Seguem palavras de Leonardo Boff
“...A noite escura de Madre Teresa a ponto de dizer: "Deus verdadeiramente não existe" nos deixa uma interrogação teológica. Ela descompõe todas as nossas representações de Deus. "Deus ninguém jamais viu", atestam as Escrituras. É o "nosso saber não sabendo, toda ciência transcendendo" no dizer de São João da Cruz. Crer em Deus não é aderir a uma doutrina ou dogma. Crer é uma atitude e um modo de ser; é aderir à uma esperança que é "a convicção das realidades que não se veem"(Hebreus 11,1), porque o invisível é parte do visível. Crer é uma aposta no dizer de Pascal que conheceu também a sua noite escura.”
Para ser honesto com Boff, transcreverei o fecho do seu artigo
Madre Teresa de Calcutá no amor aos moribundos, estava em comunhão com o Deus abscôndito. Agora que já se transfigurou viverá a presença de Deus face a face no amor e na comunhão.

E, ainda, há quem estranhe meus constantes questionamentos sobre a minha “noite escura”. Eu que não passo de um pobre imortal!

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A CONDENAÇÃO DE UMA INOCENTE

Após mais de sessenta dias sem fazer postagens neste blog, por motivo já declarados na postagem de 20 de junho, preferi dedicar toda a máxima atenção aos inúmeros fatos que jorravam diuturnamente referentes ao impedimento da presidenta Dilma. Assim é que encerrada (provisoriamente) a refrega retorno ao funcionamento deste blog.
Com a consecução do impeachment conseguiram derrubar uma presidenta legitimamente eleita e, não só isto, interromper abrupta e violentamente a realização de um sonho de nação menos desigual implementado durante mais de uma década pelos governos trabalhistas de Lula e de Dilma Roussef.
Desde a posse da presidenta em janeiro de 2015, que as forças, as mesmas forças, que causaram a ruptura democrática em 1964, que levaram Getúlio Vargas ao suicídio e atentaram contra o governo de Juscelino, tentam expungir, desestabilizar, inviabilizar o governo de Dilma.  
...desde o início do meu segundo mandato, medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica foram bloqueadas e as chamadas pautas-bomba foram impostas, sob a lógica irresponsável do “quanto pior, melhor”  (Discurso de Dilma no Senado – agosto 201


[E ela não registrou em seu discurso que Comissões na Câmara Federal que deveriam estudar e, talvez, aprovar as medidas, ficaram por cerca de 4 meses, a partir de janeiro de 2015, sem funcionar]
Como porta-voz, ou melhor, protagonista da conspiração, a grande imprensa deu sua decisiva contribuição, a torpedear incessantemente com notícias deturpadas, sobre fatos contra o governo e simplesmente omitindo descaradamente fatos de realizações positivas ou outros de caráter favoráveis.
Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos impostos à população.”
(Discurso de Dilma no Senado – agosto 2016)
Rede Globo ... justo ela, que durante o ritual golpista [sessão do impeachment no Senado]  estava ensinando o povo a fazer ovo cozido.” (Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Policia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo)
Conseguiram, afinal, o funesto intento, preliminarmente, com a aprovação da admissibilidade de culpa e do impedimento da presidenta pela Câmara Federal, numa vergonhosa sessão, não cômica porque trágica, para os destinos da nação, aos olhos da imprensa internacional, ensejo para os mais desairosos comentários e, por último, com a sessão no Senado Federal, no dia 31 de agosto, (superstição à parte, êta mês premonitório, hein?).
Nesta última sessão, em bem menor proporção, repetiu-se “o teatro”. “personalidades” da oposição ao governo constituído apresentavam-se, com “faca entre os dentes”, com “sangue nos olhos”, a repetir o “mantra” do CRIME DE RESPONSABILIDADE – como a atemorizar os de entendimento contrário ou os sem opinião ainda formada - nascido na conspiração e fundamentado em peça jurídica forjada no TCU e defendida por uma “messiânica” criminalista.
E foi assim por toda a Sessão, uma entediante sucessão de perguntas com os mesmos sentidos, acrescidos de indagações sobre fatos não relacionados (o “conjunto da obra”) com o âmago da questão: “houve ou não crime de responsabilidade” e, como não poderia deixar de ser, repetitivas respostas da injustamente acusada no processo.
Quem afasta o presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições.(Discurso de Dilma no Senado – agosto 2016)
Sem me arvorar a jurista e no meu modesto entendimento, os decretos, até então, editados tinham a autorização legislativa, sim, (o que, ao contrário, segundo “eles”, caracteriza o crime de responsabilidade) pela Lei Orçamentária Anual, (LOA) editada anualmente, como diz seu título, e se é lei, logicamente, tem a validação do Legislativo; e, ressalte-se, em momento algum houve acréscimo de despesa. Já quanto ao “Plano safra”, foi demonstrado que há lei própria e que passa ao largo da presidência. E o que é mais que um fato: os decretos e o Plano safra estavam sendo gerados normalmente pelo Executivo, nas gestões de presidentes anteriores e da própria Dilma Roussef, sem que fossem contestados, até que o TCU passara a questionar, no segundo semestre de 2015, já por “encomenda” da conspiração.         
...A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade, que não há razão legal para esse processo de impeachment, pois não há crime. Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora.” (Discurso de Dilma no Senado – agosto 2016)
E meu veio a lição primária do Direito: não há crime sem lei anterior que o defina. Crime exige perfeita adequação da conduta à norma penal. Direito Penal não permite analogias, interpretações extensivas. Se não há crime.(Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Policia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo)
Agora que o estrago está feito, já se lê naquele veículo que faz parte do estamento midiático da conspiração, portanto, insuspeito, a Folha de São Paulo, editorial que confessa a inexistência de razões irrefutáveis no fundamento da acusação. Embora o diga cercando-se do cuidado em alegar a estrita obediência à Constituição, ao amplo direito de defesa... Mas como ampla defesa se o VEREDICTO já estava decidido, desde a Câmara Federal? E ela, a FSP, cita, reforço, expressamente “um golpe parlamentar”.    
O processo decorreu em estrita obediência à Constituição, assegurado amplo direito de defesa e sob supervisão de suprema corte insuspeita. As acusações de fraude orçamentária, porém, embora pertinentes enquanto motivo para impeachment, nunca se mostraram irrefutáveis e soaram, para a maioria leiga, como tecnicalidade obscura – e, para uma minoria expressiva, como pretexto de um golpe parlamentar." (Folha de S. Paulo de 01/09/2016)

Acho que neste momento a nação, o estado de direito e a democracia estão abalados. Mas é instante da reunificação das forças progressistas, dos movimentos sociais para retomada de lutas, pelo efetivo Estado de Direito, pela Democracia e principalmente pela intocabilidade dos Direitos e avanços sociais já adquiridos.